“Deus não criou o mundo para isto” – Opinião de Sara Rocha

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A importância de ouvir o protesto das nossas crianças, gesto a gesto, todos os dias.

No passado dia 16 de março aconteceu a primeira oficina promovida pelo “Clube de Literacia Climática”, uma iniciativa implementada pelo Centro do Clima em parceria com a Biblioteca Municipal Rocha Peixoto da Póvoa de Varzim, no âmbito do projeto “Literacia para a Transição Climática!”. Este projeto é apoiado pela Fundação Cultural Europeia, ao abrigo do Programa Europe Challenge. Esta primeira atividade foi dirigida aos mais novos, tendo como mote o livro “O protesto”, uma história simples sobre como uma revolução também pode ser pacífica e (aparentemente) silenciosa.

Depois de ler a história e debater algumas ideias, os jovens participantes foram convidados a fazer o seu próprio cartaz de protesto, por um mundo mais amigo da natureza e, portanto, de todos nós. Surgiram vários apelos à plantação de mais florestas e controlo das queimadas. Os adultos – disse um dos participantes – demoraram muito tempo a reparar nos problemas do mundo porque estão muito concentrados a fazer só uma coisa: a correr de um lado para o outro. Soa-lhe familiar?

Depois de conhecermos os impactos sobre alguns dos nossos hábitos, fomos explorando pequenas soluções para implementar no nosso quotidiano e que podem fazer toda a diferença para evitar o desperdício e diminuir a quantidade inacreditável de lixo que produzimos diariamente. Um gesto a seguir ao outro, todos os dias. Um aparente silêncio individual que contribui para um grande e ruidoso grito coletivo que exclama por transformações rápidas. “Deus não criou o mundo para isto”, como escreveu uma das crianças.

O objetivo do Clube de Literacia passa por sensibilizar a comunidade para a emergência climática, promover o acesso a conhecimento que apoie a mudança de atitudes e hábitos e criar espaços de sociabilidade que fomentem a partilha e a participação dos cidadãos na vida da sua comunidade.

Este projeto integra um movimento maior, o de criar uma “Póvoa em Transição” para um município mais sustentável, resiliente e saudável, e que parte de um debate de base, aberto e participado, realizado desde há alguns meses por vários cidadãos e cidadãs poveiras. Uma delas é a Sissi Azevedo, professora do 1º ciclo e investigadora na área da sociologia da infância, que facilitou esta oficina.

A primeira ação do projeto foi a criação de um catálogo específico sobre sustentabilidade, transição e alterações climáticas para a Biblioteca Municipal Rocha Peixoto, facilitando o acesso da comunidade a conhecimento útil e esclarecedor sobre os tempos em que vivemos de alterações globais.

Em curso está a programação de um ciclo de tertúlias e oficinas abertas e gratuitas para a comunidade, tendo como convidados autores, especialistas e ativistas para partilharem ideias, saberes, habilidades e experiências, procurando apoiar a reflexão crítica e estimular a tomada de decisões quotidianas diferentes. Isto porque o pão que comemos todos os dias, a roupa que vestimos todos os dias, os meios de transporte que escolhemos todos os dias e até as palavras com que escolhemos descrever e interpretar o mundo à nossa volta fazem toda a diferença. Gesto a gesto podemos transformar o mundo.

Acredite, não precisa de ser um super-herói ou ter um aspeto hippie para fazer diferente. Aliás, vamos provar-lhe que assim é ao preparar uma exposição sobre estórias inspiradoras de membros da comunidade da Póvoa que já implementam soluções sustentáveis nas suas vidas. São pessoas que, pela sua coragem, tenacidade e persistência em agir ou implementar ações sustentáveis, contribuem para uma Póvoa mais resiliente, saudável, prazerosa e inclusiva – são os protagonistas da transição climática! Uma delas até pode ser a sua vizinha. Fique atento aos mupis da cidade, daqui a uns meses pode ser que ela esteja lá a sorrir e a chamar por si.

Sara Rocha, Centro do Clima