Para Sandra Silva, o artesanato faz-se ‘Com Coração’ (fotos)

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Desde topos de bolos e prendas personalizadas, passando por uma variedade de presépios e figuras de santos, a Presentes com Coração oferece “de tudo um pouco”. As mãos por detrás da marca são de Sandra Silva, uma poveira que diz que “sempre gostei de artesanato”. Em entrevista, revela que sente faltar na Póvoa “um espaço que dê visibilidade aos artesãos”.

Sandra Silva admite que “nunca pensei seguir isto”, mas agora, não troca o artesanato. Nasceu numa “família que fazia crochet, malha, costura” e “sempre gostei de artesanato”, conta ao MAIS/Semanário. Desde pequena que se interessou pela arte, mas, quando chegou a hora de escolher uma licenciatura, enveredou pelo ensino de geografia.

Contudo, em 2012, Sandra ficou no desemprego. Nessa altura, “reparei que, de repente, não tinha praticamente nada para fazer”, relembra. Foi aí que se virou novamente para o crochet, mas para uma prática diferente: “amigurumi, uma técnica que agora já é mais conhecida, que serve para fazer bonequinhos”. Para Sandra Silva, foi uma maneira de “ocupar o tempo enquanto esperava voltar a ser colocada”.

E foi em junho desse ano que fez a primeira formação em porcelana fria, o material que, atualmente, utiliza para a maioria das suas criações. Já antes dessa altura “sonhava com ela, porque dava para fazer tanta coisa”, mas, segundo a artesã, foi nessa formação que fez as suas “primeiras experiências”. Poucos meses depois, em setembro, estava a participar na sua primeira feira.

A partir daí, o passatempo e “antisstress” deixou de o ser, e passou a ser trabalho. Sandra coletou-se, “para poder estar tudo legal”. “Foi quase um acidente meio procurado”, brinca, até porque “esbarrei-me um bocadinho no artesanato: ele veio ao meu encontro, mas eu também fui ao encontro dele”.

“Eu levo a minha cidade a todo o lado”

Ao longo dos anos, Sandra Silva aperfeiçoou o seu artesanato, e admite que o que mais gosta de fazer são os presépios. Diz-se mesmo “uma apaixonada” por eles. Por isso, é com orgulho que apresenta o primeiro prémio que ganhou na Exposição de Presépios de Vila do Conde 2020. “Houve um concurso que procurava o melhor presépio de Portugal. E foi o meu presépio que ganhou”, sorri.

Segundo a artesã, a criação era marcada pelo espírito poveiro: “coloquei as siglas poveiras. Tento colocar sempre algo que faça lembrar as camisolas poveiras, desde alguns bordados, barquinhos ou a âncora”.

O presépio vencedor não é a única obra de Sandra que lembra a tradição da Póvoa de Varzim. “Eu levo a minha cidade a todo o lado. Digo sempre que sou da Póvoa, conto a história, explico”, garante.

E, por isso, lamenta “ter sido preciso uma polémica” para que a Camisola Poveira voltasse a ser amplamente discutida. Para Sandra Silva, “a camisola poveira já devia ter sido pegada há muito mais tempo”. Nesse sentido, louva os artesãos que já o faziam antes da polémica com a norte americana Tory Burch, mesmo sendo “uma minoria com pouca visibilidade”. “Esperemos que este interesse seja por algum tempo, que não seja agora moda e depois caia no esquecimento” diz Sandra, até “porque as nossas camisolas são lindíssimas”.

O artesanato em época de pandemia

Sobre a pandemia, Sandra Silva tem a lamentar a inexistência de feiras. Sem loja física, a artesã vive essencialmente das feiras e das encomendas na página da Prendas com Coração, e estas últimas foram o único meio de venda que pode recorrer no último ano. “A minha última feira foi em 2019. Houve a Exposição e Venda dos presépios no Natal do ano passado, mas nós, os artesãos, não estávamos lá”, adianta, “deixamos o nosso artigo e foi a Associação Para a Defesa do Artesanato e Património de Vila do Conde que tratou das vendas”.

No entanto, não deixou que a situação pandémica a parasse. “No meio disto tudo, tirei a carta de artesão”, orgulha-se. Sandra Silva conta que organizou um portefólio com todo o histórico de trabalhos e formações que foi fazendo ao longo dos anos, “porque sempre fui uma curiosa”. Segundo a artesã, “fiz formação de tapetes de arraiolos, camisolas poveiras, feltragem, pintura em tecido, ponto cruz… vou sempre tentando saber um bocadinho daqui e dali”. É uma forma de “aproveitar o conhecimento de umas coisas para as outras” e “vai dando alguma criatividade”.

Já este ano, Sandra vai participar na Exposição de Santos Populares de Vila do Conde, chamada “Santos em Casa”, em que vai “levar figuras dos três Santos Populares a concurso”. Quanto à Feira de Artesanato, também em Vila do Conde, Sandra é uma das candidatas a participar. No entanto, como a mesma está “resumida a um quarto dos artesãos, muitos vão ficar de fora, e eu posso ser uma delas”. “Estamos à espera dos resultados”, conta.

“A Póvoa não é só camisola poveira”

O futuro do artesanato poveiro está dependente de uma aposta mais forte na visibilidade, de acordo com Sandra Silva. Há uns anos, “quando comecei”, a artesã lembra-se de fazer “muitas feiras na Póvoa, havia várias feiras ao longo do ano”. Antes da pandemia, já só participava em uma, no 15 de agosto; “de resto, foi terminado”.

Sandra resume esta situação num par de palavras: “é triste”. “Eu levo a minha cidade a todo o lado, porque falo que sou da Póvoa, porque tento mostrar. E sinto que aqui na Póvoa de Varzim falta dar espaço, visibilidade aos artesãos”, desabafa.

Por isso, deixa a recomendação de que seja criado um “espaço com dignidade, no centro da Póvoa”. E sublinha a importância das formações, “de maneira a os artesãos serem certificados”. “Muitos não saberão da certificação, da carta de artesão”. Ou então, mesmo que saibam da existência, “não sabem como fazer, como chegar lá”.

Para Sandra Silva, é necessário um acompanhamento ao nível do artesanato. “Quem está a fazer as camisolas poveiras, tem apoio, alguma ajuda. Estão a desenvolver, tentar divulgar”. No entanto, remata: “a Póvoa não é só camisolas poveiras. Há muito mais artesãos, em trabalhos diversos, desde madeiras, na porcelana fria, em tecido… Existe muita gente que faz coisas lindíssimas e que é preciso ajudar”.