Temos à porta o Natal. Segundo rezam os velhos manuscritos, Natal é o dia que se comemora o nascimento de Jesus Cristo. Por isso, e por ser um dia muito enraizado nas tradições populares, é que o 25 de Dezembro se tornou em Feriado Nacional, para o povo o viver à sua maneira.
Se fecharmos, embora momentaneamente, as pálpebras e volvermos os nossos olhos do coração para uma meninice que nos ajudou a crescer, salta à lembrança o Natal tradicional, aquele onde, verdadeiramente, se comemora o nascimento do Redentor, a obrigar as famílias a reunir, tornando-se “luzes do mesmo altar”, como um poeta popular retratou. O Natal tão vivido pela pequenada que esperava ansiosamente que o Menino Jesus descesse pela chaminé da cozinha para depositar qualquer prenda que marcasse esse dia tão significativo, com os pais a colaborarem para manter a santa ignorância nos seus “rebentos”. O Natal das consoadas, das cantigas ao Deus Menino que “nasceu numa cabana velha / De penhascos naturais”, como eram entoadas de porta em porta, por crianças e crescidos, pelas casas dos vizinhos, num tempo em que ser vizinho
era um estatuto para os moradores, quando os prédios em altura não tinham ainda retirado, praticamente, esse estatuto.
Que mundo de recordações são chamadas à nossa mente, quando ao fecharmos temporariamente os olhos, para meditar, encontramos um mundo diferente de agora.
Sim, porque agora o Natal não tem o mesmo significado de antigamente. Já não se comemora o nascimento do Menino Jesus “nas palhas deitado”, mas sim uma aparição bem diferente, desde que o grande capital, com o desejo ardente de governar tudo e todos, inventou um Pai Natal, todo enroupado até aos olhos, com largo barrete e longas barbas para o agasalho ser maior, vestindo cores escarlates para dar mais nas vistas, do que a nudez de quem veio ao mundo “por obra e graça do Divino Espírito Santo”, segundo a Igreja Católica.
Veja-se por aí fora quem está mais simbolizado com o Natal: o verdadeiro dia que motiva ser feriado como “Dia Santo de guarda”, ou aquele cujo símbolo vem de uma longínqua e frígida Lapónia qualquer, transportado num imaginado trenó puxado a renas ou coisa parecida? Se não fora o arraigado amor às tradições que se vive nos locais mais distantes das grandes cidades, onde o verdadeiro Natal ainda tem raízes profundas, ficava-se entregue ao poder capitalista das grandes superfícies comerciais
que “metem pelos olhos dentro” dos consumidores o que serve (e às vezes até nem serve, por serem artigos impingidos e não procurados), para fazer engrossar o Natal consumidor. E para já não falar do Natal “dos pobres”, dos “sem abrigo”, das “criancinhas com fome e frio”, dos “mais desamparados”, como se não houvesse tudo isso e mais ainda durante todo o ano. Um Natal que serve para as grandes bolsas se encherem, em prejuízo das depauperadas que nem os subsídios natalícios aquecem; as campanhas contra a fome que se tornam em bom negócio, pois recolhem-se em sacas para depositarem artigos (principalmente alimentos) que são comprados no próprio estabelecimento comercial. Mas isso são outros contos que vêm mais ou menos a propósito.
O Natal que temos à porta, tem duas faces: o verdadeiro que comemora o nascimento do Menino Jesus, e aquele falso criado pela “capital dos refrigerantes”, cujo consumo dos líquidos não se torna consensual dos seres humanos.
Não venham apregoar que Portugal se tornou oficialmente num País laico e por isso cada pessoa que siga o caminho que mais goste na religião que abraçar. Cada um “come do que gosta”. Mas, por exemplo, vê-se por aí qualquer laico que professe religiões diferentes, não festejar o Natal que tem origens católicas? Os mesmos até que guardam os feriados nacionais a assinalar dias de santos, como acontece com frequência nas terras que gostam de festejar os seus Santos Padroeiros?
Mas no Natal, há duas formas de o povo chamar a si o direito de escolher. Cada vez aumenta o poder do Pai Natal. Até já inventaram uma Mãe Natal. Qualquer dia vem à baila outros familiares que, enroupados, contribuam para “encher” as burras aos que tudo fazem para reforçarem as suas contas bancárias, sabe-se lá como, já que o facto de serem aplicadas grossas multas, por parte do Estado, a grandes superfícies comerciais por terem explorado em demasia o poder de compra, pode ser bem significativo.
Mas vamos ao nosso Natal. Neste caso ao Natal poveiro. O município, através dos seus principais responsáveis, mostrando interesse em corresponder ao Poder Turístico, todos os anos procura elevar a quadra natalícia a patamar alto na sua celebração, ao jeito de “Maria vai com as outras”, num tão saboroso ditado popular. Mas, numa terra de tradições tão enraizadas, o verdadeiro Natal, do Menino Jesus, foi atirado para plano secundário. Para inaugurar as iluminações de grande porte que se centralizam junto aos Paços do Concelho, na chamada sala de visitas, foi requisitada toda a gama de símbolos relacionados com o Pai Natal, figura que a entronizaram de lendária, para encabeçar um simbólico cortejo a percorrer artérias centrais da cidade, com a criançada a ser mais uma vez chamada para “fazer a festa” e “explorar” o amor filial dos seus progenitores.
E vá lá que, este ano, não foram utilizados os recantos ajardinados da cidade para plantarem Pais Natais, mas sim figuras relacionadas com a neve do inverno, simbolizadas em bonecos “apinocados” (embora de barrete quase despercebido) ou “orelhudos”, como aqueles que se constroem em instâncias da neve. Se o exemplo vem da Serra da Estrela, capital da neve e dos seus alvos bonecos, a Póvoa podia retribuir com camisolas poveiras, para aumentar a campanha de propaganda, até porque se enquadrava melhor no agasalho, como aconteceu recentemente com as Miss’s Póvoa, retirando-lhes as habituais minis-roupagens. Mas por outro lado, a nossa Autarquia-Mor, através do pelouro da Cultura, tem aberto ao público de 6 de Dezembro a 8 de Janeiro, a exposição “Numas Palhinhas Deitado”, alusiva ao Natal de Cristo. Com uma grande diferença: esta exposição está meio escondida no Museu Municipal, enquanto o Pai Natal, de segunda geração, anda por aí espalhado nos centros ou recantos da cidade. Quer dizer: “uma no cravo, outra na ferradura”.
Mas isto são apartes que vêm “encharoladas”, nesta referência ao Natal. Cada um… é como cada um, come do que gosta. Cá por mim, neste Natal que está à porta, prefiro o que os nossos antepassados nos legaram, de velhas tradições e mais arraigado à crença popular, do que aquele que nos impingiram através do Poder Consumista. Um Natal
com os tão significativos Presépios retratando todo o nascimento do Redentor, envolvido de humildade e da riqueza das ofertas dos três reis magos e do bafo calorento dos animais de estábulo; da tradicional Ceia de Natal, de bacalhau (ou cascarra) com batatas, envolvidos em molho fervido e rematados com rabanadas e (a)letria. Até já faz crescer água na boca antes de serem espalhados por sobre a mesa. Porque… “Isto é uma alegria / “Hoje meus senhores / Todos comem da bacia”, cantaram vozes antigas pelos tempos fora… antes dos restaurantes esgotarem as suas lotações comensais…