Nasci em liberdade. Nunca conheci a ditadura bafienta a não ser pelo que li e pela voz dos mais velhos.
De alguns ouço que no tempo da sua juventude é que era bom. Havia respeito (curiosa como esta noção de obediência cega ainda está inculcada na educação das nossas crianças e jovens), a autoridade era respeitada, não havia crime e, como dizia Pangloss, tudo estava bem nos melhores do mundo. Mas a dura realidade impõem-se.
Portugal antes da revolução dos cravos era um país atrasado, atávico e governado por uma das mais longas ditaduras da Europa. Um país fechado que obrigava as mulheres a uma submissão muitas vezes violenta aos maridos, que apenas tinha 18.8% de mulheres docentes no ensino superior e que investia somente 1.8% do seu PIB em educação. Em 1974 Portugal tinha, espante-se, 43.653 alunos no ensino secundário, à data dividido em curso liceal e técnico. Em 2020, o nosso país proporcionou o ensino secundário a 207.306 alunos. Já no ensino superior, no início da década de 1970, Portugal tinha 46.172 estudantes matriculados o que compara com 411.995 estudantes em 2021, com as mulheres a representarem 53%.
Nunca é em excesso relembrar que a ditadura nos envergonhava com taxas de mortalidade infantil terríficas, com trabalho infantil generalizado para alimentar a fome das famílias, a juventude entregue a um ciclo de emigração para escapar de uma vida maltrapilha, descalça ou calçada com tamancos de madeira e frieiras nos pés durante o Inverno. A juventude que não emigrava, afunilava o seu futuro com uma guerra em África. Quando todos os países civilizados já tinham iniciado processos de descolonização, a ditadura (política e dos interesses), insistia cegamente que aqueles territórios nos pertenciam. Teríamos um direito quase divino em governar os territórios que efectivamente eram de outros povos, os Ovimbundu, os Ambundu, os Bakongos, os Makua, os Maconde, entre outros. Tudo nosso, pois foi “descoberto” por Portugueses, diziam muitos. Que narrativa suprema e iludida do que é justiça humana: ignorando os direitos humanos que, entretanto, se foram construindo, o direito à dignidade humana, o direito à vida, o direito à auto determinação dos povos, entre muitos outros. Curioso como uma ditadura abençoada ou divina, com tantas persignações e genuflexões, ignorava teimosamente que o conceito de dignidade da pessoa humana tinha sido introduzida precisamente pelo papa Inocêncio III (1161-1216) na sua De Miseria Condicionis Humane.
Sem liberdade, não há felicidade. Há exemplos gritantes do efeito que as ditaduras têm na dimensão humana e, naturalmente, na felicidade de cada ser humano. Mesmo com aparente bem-estar económico, a imposição de um colete de forças político, militar e judicial, captura todo o capital criativo que as sociedades possuem e impedem os cidadãos de viverem em plena felicidade.
Considero, igualmente, que a democracia é geradora de um ambiente propício à liberdade política, social e económica dos estados, ao seu desenvolvimento e ao respeito pelos direitos humanos. Não há liberdade sem democracia, nem democracia sem liberdade. Mas, o que são os direitos humanos? A mais simples das definições é aquela que contém a essência e o âmago dos conceitos. Os direitos humanos são direitos reconhecidos a cada ser humano simplesmente pelo facto de o ser e não podem ser vulnerados, violados ou renunciados. Diremos que os direitos humanos são todos aqueles direitos, universais e inalienáveis, que preservam o ideal que todos seres humanos nascem livres, sem distinção alguma, nomeadamente, de raça, de cor, de sexo ou género, de língua, de religião, de características físicas ou intelectuais, de opinião política ou outra, de nacionalidade, de condição social ou financeira e exercem essa liberdade em espírito de fraternidade para com os outros, sem medo e sem privações.
É por tudo isto que gosto muito de recordar a coragem dos militares de Abril e de sentir que é (meu) dever individual, mas também comunitário, celebrar a liberdade e contribuir para a construção de uma sociedade livre e, mais feliz. Este ano, com a guerra na Ucrânia e vivendo com o espectro de mais conflitos armados na Europa e no mundo, devemos ter ainda mais presente o valor da nossa liberdade.