Vidas em transição, elos de um movimento de mudança – Opinião de Sara Rocha

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Está nas ruas da Póvoa de Varzim uma campanha baseada em histórias inspiradoras de pessoas locais, uma iniciativa que visa sensibilizar a população para as possibilidades de estilos de vida mais sustentáveis face ao desafio das alterações climáticas.

O que poderá haver em comum entre uma médica, um pescador, uma auxiliar de ação educativa, um professor aposentado, dois adolescentes, uma autora e ambientalista, uma designer, um empreendedor da mobilidade sustentável, uma família que fabrica tapetes artesanais, uma doméstica, uma empreendedora e ativista têxtil e três fundadores de um restaurante e padaria?

Todas estas pessoas têm em comum a Póvoa de Varzim. Algumas nasceram, trabalham e vivem aqui; outras, depois de muitos anos fora, voltaram à sua terra natal; outras têm o seu negócio sediado na Póvoa, contribuindo para a economia local. Há quem tenha viajado por todo o mundo e escolhido este lugar para ser a sua nova casa. Há também quem se tenha apaixonado por um poveiro e tenha hoje, neste lugar entre a terra e o mar, o seu novo lar.

A diversidade entre estas pessoas e os seus percursos é grande. Muitas não se conhecem, nem suspeitam da existência das outras e, não fosse o desafio de construir a campanha que dá origem a esta publicação, talvez nunca se viessem a cruzar.

Outra caraterística comum entre elas é o facto de serem pessoas normalíssimas, comuns. À primeira vista, nada no seu aspeto ou atitude denuncia algo de extraordinário. Contudo, chegando mais perto, ouvindo as suas histórias, as suas preocupações e ideias, percebemos que todas elas persistem numa escolha, numa atitude, em hábitos que repetem diariamente para criar um mundo melhor. Persistem em renovar diariamente uma escolha que fizeram, mesmo que muitas vezes sintam que estão a remar contra a maré, porque a sociedade ignora, não apoia ou, por vezes, até desincentiva.

Dos 13 aos 78 anos, passando por quase todas as freguesias da Póvoa de Varzim, são pessoas que, de formas muito diversas, contribuem para tecer uma mudança cultural cada vez mais necessária e urgente. Algumas escolheram e continuam a escolher ir de bicicleta todos os dias para o trabalho ou para a escola. Há quem se tenha demitido de um emprego estável, para se entregar aos apelos do coração, seguir uma vocação escondida, um desejo antigo de concretizar um sonho. Há quem, na necessidade de encontrar uma alternativa viável de negócio, tenha escolhido um setor de trabalho que contribui para uma maior sustentabilidade ambiental. Há quem simplesmente persista numa forma de fazer o negócio só porque não lhe faz sentido criar mais desperdício.

São histórias de vida que retratam diferentes temporalidades e ritmos de participação no processo de transição em curso. Algumas pessoas mudaram a sua vida de forma radical para se dedicarem a uma causa, outras implementaram um pequeno hábito diário simples que, se fosse multiplicado por todos os habitantes da Póvoa, implicaria grandes mudanças. Afinal de contas, já imaginou se todas as pessoas que o podem fazer, fossem a pé ou de bicicleta para o trabalho, para a escola, às compras ou à praia? Já imaginou se todos nós tentássemos reduzir ao máximo os resíduos que produzimos e se olhássemos para os desperdícios das nossas atividades diárias com criatividade, criando novos produtos? Já imaginou se todos nós consumíssemos mais alimentos de origem local, sazonais e cujo modo de produção integra preocupações ambientais? Como seria o mundo se cada um de nós tomasse estas pequenas decisões diariamente? E como seria o mundo se ousássemos acreditar que é possível viver de forma diferente?

Esta campanha pretende ser uma provocação à imaginação coletiva, um estímulo para a reflexão crítica e, sobretudo, um agradecimento àquelas e àqueles que todos os dias contribuem para pequenas mudanças que nos beneficiam a todos, tornando-os protagonistas de uma campanha local que visa sensibilizar e promover a literacia da comunidade para a transição ecológica que precisamos fazer. É o resultado de um esforço comunitário, feito a várias mãos, com o objetivo de mapear histórias de pessoas que se destacam pela sua tenacidade, persistência, coragem ou pela entrega à causa de transformar o mundo em que vivemos. Certamente estas são apenas duas mãos-cheias de histórias entre tantas outras desconhecidas e que poderiam de igual forma constar deste primeiro exercício de mapeamento. Porém, este é apenas o começo de um processo que se pretende ser mais do que um projeto com prazo definido.

Sinta esta campanha como um convite a fazer parte de uma mudança maior!

Sara Rocha, Centro do Clima da Póvoa de Varzim