DAVID SANTOS
É com perplexidade que lemos e ouvimos certas declarações nos jornais e nas televisões. É difícil compreender alguns “comentadores” de serviço.
Ao longo de semanas, meses, anos, andaram sistematicamente a criticar o PCP e o BE por se limitarem a ser Partidos de protesto, que se recusavam a assumir responsabilidades de governo ou mesmo a participar em acordos parlamentares que pudessem viabilizar soluções para o país. Aliás, o mesmo faziam certos políticos de outras áreas ideológicas.
Agora que estes Partidos, perante o momento crítico que o país atravessa e os sacrifícios a que têm sido sujeitos os portugueses, se disponibilizam para assumir as suas responsabilidades – tal como esses “comentadores” e políticos sempre reclamaram – aqui d’el rei que não são confiáveis. Então em que ficamos? Querem que PCP e BE saibam assumir as suas responsabilidades e deixem de ser meros grupos de protesto, ou querem mantê-los à margem do processo democrático, como se houvesse Partidos de primeira e Partidos de segunda e um milhão de eleitores não tenha direito a voz e o seu voto nada signifique? Que coerência é essa?
Que respeito é este pelos portugueses? Há uns que valem mais do que outros? Uns que merecem que o seu voto seja respeitado e outros que não merecem que a sua opinião seja devidamente valorizada? Grande espírito democrático! Mais triste ainda é vermos o próprio presidente da República, que é suposto representar todos os portugueses, afirmar tal barbaridade, negando o direito de um milhão de portugueses fazer livremente as suas escolhas. Ele, que jurou cumprir e fazer cumprir a Constituição da República. Onde está o apelo ao diálogo e aos consensos que tanto apregoa? Ou será que defende os consensos apenas se for em torno das suas ideias, das suas propostas, dos seus objectivos?
E quanto ao facto do primeiro-ministro não pertencer ao partido ou coligação mais votada, qual o problema? Constitucionalmente nada obsta a que assim seja; o PM deve ser aquele que consiga encontrar uma solução governativa com apoio maioritário no parlamento. Aliás, na Europa, que estamos permanentemente a chamar à colação, vários são os países em que o PM pertence ao segundo, terceiro ou até quinto partido mais votado; e nunca ouvimos qualquer comentário contra ou simplesmente depreciativo a esse propósito, quer em Portugal quer nos restantes países europeus. E não são países quaisquer. É a Bélgica ou o Luxemburgo; são países nórdicos, como a Dinamarca, que estamos repetidamente a enaltecer como verdadeiros exemplos de democracia. Ou só são exemplos de democracia para o que convém? Quando as suas práticas políticas não agradam aos partidos de direita e ao PR, esses exemplos já são para esquecer?
E que desculpas esfarrapadas alguns usam para desvalorizar a solução de um acordo à esquerda! Por exemplo, que não foi previamente anunciado durante a campanha. E nas eleições de 2011, será que o PSD e o CDS fizeram esse anúncio na campanha? É claro que não, o que não os impediu de fazer posteriormente um acordo de coligação. Então nessa altura o “acordo prévio” não era necessário e agora passou a ser? Outro exemplo é o facto de BE e PCP terem reservas quanto à UE (muito embora não façam questão de valorizar tal questão num eventual acordo de governo). E o CDS, quando se aliou com o PSD para o governo de Durão Barroso, não era manifestamente contra a Europa? Essa posição é perigosa quando se trata de BE ou PCP, mas não o era relativamente ao CDS? Que coerência é esta do PR e dos políticos e “comentadores” de direita? Que indigência de argumentos! É difícil conviver com a Democracia, não é Sr. Presidente? Para quem não é democrata, é claro!
E o que vão os ainda PR e PM dizer agora nos órgãos da União Europeia a propósito do novo governo da Polónia? É que acabou de ser eleito um Partido conservador eurocéptico, direi mesmo antieuropeísta, com um resultado que lhe permite governar sozinho. Vão propor a sua expulsão? Afirmar, como têm feito relativamente ao caso português, que os votos desses muitos milhões de eleitores polacos não valem nada e, em consequência, deverá ser escolhido outro governo do agrado dos “líderes” europeus (e, já agora, do nosso PR)? Ou os tratados internacionais só correm perigo com os portugueses? Será que esse suposto perigo, na mente destes homenzinhos, existe quando se trata de partidos portugueses, mas não quando se trata de outros países.
E já agora, falando de uma questão mais antiga, o que pensam também o nosso PR os políticos e comentadores já referidos a propósito das posições do governo britânico? Cameron vai referendar a participação do seu país na UE. Então este “perigoso” antieuropeísta pode ser primeiro-ministro de um país da UE? Há que tomar medidas urgentes para o demitir! Força Cavaco Silva!
Como já alguém afirmou, estalou o verniz democrático a muitos. Para eles é difícil ver a democracia a funcionar.
Nota: O autor escreve de acordo com a ortografia antiga