No passado mês de março participei, como orador, na Conferência subordinada ao tema, Que talentos para as empresas de hoje e do amanhã – Reskilling and Upskilling. Conferência que se realizou na Exponor, em paralelo à Feira QUALIFICA – Feira de Educação, Formação, Juventude e Emprego, cuja edição de 2023, tem como mote, “Create the Future”.
Nesta conferência, em que tive a companhia de mais alguns gestores e representantes do IEFP, para além da discussão sobre o tema central do debate, que era, como requalificar e melhorar as competências dos recursos humanos, esteve bem presente, aquele que é, porventura, o maior desafio de todos para as empresas e empresários do nosso país, e que é, na minha opinião, a acentuada escassez de recursos humanos qualificados para as necessidades da nossa economia.
Sei que falar sobre escassez de recursos humanos é um tema, que muitas vezes resvala para a discussão sobre a remuneração praticada pelas empresas, e a forma como esta não é suficientemente atrativa para os profissionais no mercado. E se de facto este é um problema real, e é, existem muitos outros que também devem, e carecem de ser analisados.
Diz a realidade que nos vários inquéritos que se fazem aos empresários e gestores em Portugal e mesmo no resto da Europa, e em que todos focam como um dos principais desafios, o problema de escassez de recursos humanos, resulta, e é resultante de um saldo de natalidade muito baixo nas últimas décadas, a que se alia, também, o enorme problema de desajuste entre as necessidades específicas das empresas e as qualificações dos profissionais presentes no mercado de trabalho. E se alguém tem dúvidas, basta olhar para os profissionais nas áreas tecnológicas. Área em que um excelente exemplo são os profissionais de IT, e aonde a necessidade do mercado excede, e em muito, o número de profissionais existentes no mercado (situação que apenas é ajustada pelos imigrantes qualificados que a Europa absorve nesta área).
É relativamente fácil de perceber os fatores que conduziram a esta escassez de mão de obra, e que foram:
• A transição digital, com aceleração e aparecimento das novas tecnologias (em que o Covid teve um papel preponderante acelerando a transição digital através do teletrabalho ou vendas digitais);
• A transição para uma economia neutra para o clima;
• O envelhecimento da mão de obra, e naturalmente as condições de trabalho e emprego (leia-se transferência de recursos humanos qualificados para países aonde os salários e condições de trabalho e carreira são mais apetecíveis);
• Uma natalidade, muito baixa, à semelhança, inclusive, também ao que acontece na maior parte dos países da Europa;
Mas se as causas estão bem identificadas, agora é preciso pensar nas soluções. Soluções que permitam garantir que a nossa economia tenha acesso aos recursos necessários para ser competitiva e poder fazer face a uma situação em que a baixa natalidade e o aumento da longevidade têm vindo a alterar a pirâmide etária, quer pelo estreitamento da base e alargamento nas idades mais avançadas, o que coloca em causa a sustentabilidade da nossa segurança social.
E quais são essas soluções? Isso também foi discutido pelos intervenientes da conferência. E embora não existam soluções milagrosas, existem, todavia, práticas empresariais e políticas públicas que devem ser estabelecidas como forma de mitigar este problema transversal a toda a Europa, e que são as seguintes:
• Facilitar as políticas de imigração de trabalhadores qualificados ajustados as necessidades do nosso mercado de trabalho e sustentabilidade da nossa segurança social (não pretendo com isto dizer que apenas devemos aceitar imigrantes que preenchem as necessidades das nossas empresas e da nossa economia, mas que é essencial que estes profissionais que tanta falta nos fazem, possam ter entrada de forma mais simplificada e célere).
A par com esta simplificação e facilitação das políticas de imigração, temos também de garantir um acolhimento e integração eficaz e humanista destes novos cidadãos;
• Promover uma requalificação dos nossos recursos humanos internos, de forma que os profissionais de setores mais maduros, que se encontram em já na “ramp-down”, possam ser solução (com a formação adequada) para os setores económicos em crescimento;
• Estabelecer uma prospetiva, um horizonte, das necessidades do nosso mercado para o futuro próximo, e ajustar os conteúdos e cursos do nosso sistema de Ensino Superior (sem colocar em causa a importância da diversidade da formação e dos cursos existentes que tornam a nossa sociedade mais rica);
• Reduzir os impostos sobre o trabalho, uma injustiça e desincentivo, por forma a que os profissionais não se vejam obrigados a emigrar para países mais “amigos” dos contribuintes (por exemplo quem ganha um salário bruto de 2000 euros recebe 1343 euros, mas a empresa paga 2475euros e o estado arrecada 1132 euros);
• Animar as empresas a oferecer salários mais atrativos a estes profissionais, e proporcionar-lhes condições de carreira aliciantes (estando naturalmente este pressuposto associado a uma melhoria da produtividade destas mesmas empresas);
• Levar a que as empresas estabeleçam sistemas de trabalho mais flexíveis que permitam uma melhor relação entre trabalho e vida pessoal, quer através do teletrabalho, trabalho remoto, ou outras práticas que vão de encontro às novas gerações e às suas legitimas aspirações;
• Garantir políticas pelas empresas de retenção dos seus recursos humanos, de modo a que permanência destes nos seus quadros durante mais tempo, seja um fortalecimento da cultura da organização e os seus trabalhadores se sintam como fazendo parte de uma equipa, e que seja muito mais que o vestir a camisola da empresa. Um modo de ser e estar, seja através do estabelecimento de uma lógica de meritocracia em que os trabalhadores sintam que faz mais sentido ficar do que sair;
Não sabemos se com estas medidas conseguiremos fazer face a todas as necessidades imediatas e futuras de trabalhadores para a nossa economia, que está cada vez mais em concorrência direta com empresas de países capazes de pagar salários muito acima dos nossos. Mas sabemos sim, é que se nada fizermos, então a tendência de escassez irá levar ao encerramento de muitas empresas e a diminuição de investimento direto estrangeiro no nosso país e, pior de tudo, é que não sei como iremos conseguir sustentar a nossa segurança social…
Opinião Miguel Pinto – ‘O Contador de Areia’