Uma ‘teoria de mudança’ é uma expressão usada para se referir aos princípios e instrumentos subjacentes a uma determinada política ou iniciativa que tenha como objetivo gerar uma mudança social. Neste artigo apresento aquela que é a teoria de mudança do Centro do Clima.
O Centro do Clima atua com a perspetiva de promover o desenvolvimento regenerativo ao nível da bioregião, contribuir para a mitigação das alterações climáticas e para a resiliência do território. Temos vários eixos ‘verticais’ de atuação, na perspetiva do desenvolvimento regenerativo, nomeadamente:
- Ar, assumindo como objetivo central a monitorização e redução de emissões de gases com efeito de estufa, a par da prestação de serviços do clima
- Água, regenerando progressivamente a rede hidrográfica e os aquíferos, bem como a zona costeira, numa perspetiva de adaptação (garantia de disponibilidade e resiliência face a fenómenos extremos) e mitigação (criação de corredores ecológicos)
- Terra, contribuindo para a adoção de práticas agroecológicas que promovam a fertilidade dos solos e a biodiversidade em geral
- Fogo, reduzindo consumos energéticos (eliminando o supérfluo e aumentando a eficiência energética) e explorando os abundantes recursos renováveis, maioritariamente inexplorados, seja o sol, vento ou a biomassa.
Na perspetiva de uma sociedade mais capaz de evoluir, temos como eixos ‘horizontais’ de atuação:
- Governança, empoderando os agentes no âmbito de processos inovadores de planeamento e gestão do território e da paisagem, processos que sejam mais inclusivos e geradores de sinergias, permitindo co-criar intervenções (trans)locais evolutivas, geradoras de mudanças no sistema socioinstitucional
- Formação, no sentido de dar corpo/forma ao processo de transição, mobilizando indivíduos, famílias e organizações no reforço de competências catalisadoras de uma consciência planetária e comunitária, traduzindo-se em modos de vida mais sustentáveis (foco na alimentação, mobilidade…); pretende-se ganhar a ‘massa crítica’ necessária para um ‘salto quântico’ do ponto de vista cultural
- Economia, reforçando as trocas locais e a partilha (incluindo o financiamento e consumo colaborativo), a circularidade, a oferta de produtos e serviços de reduzida pegada carbónica, a integração de mecanismos de remuneração dos serviços dos ecossistemas e a aposta no turismo/lazer de base ecológica.
Os nossos projetos são planeados de acordo com esta matriz de eixos, procurando contribuir o mais possível para todos eles em simultâneo.
Mas quais são afinal os princípios em que nos baseamos? Qual a teoria que está por detrás desta abordagem?
A nossa teoria de mudança é o resultado de um inquérito colaborativo surgido em 2019 por iniciativa do Movimento de Transição (https://transitionnetwork.org). A questão colocada a meia centena de ativistas, técnicos, especialistas e políticos reunidos em Bruxelas em março de 2020 foi “Como podemos apoiar melhor as pessoas na cocriação e manutenção de respostas ambiciosas e inclusivas à crise climática e ecológica à escala municipal?”.
Tive o privilégio de ajudar a organizar e apoiar a iniciativa no âmbito da minha investigação-ação no doutoramento em alterações climáticas e políticas de desenvolvimento sustentável. Naqueles cinco dias memoráveis de trabalho intensivo honramos o nosso propósito: ”Mergulhar fundo & Sonhar alto”.
O resultado final foi um modelo de intervenção colaborativa estruturada, ligando dimensões de transição interior e exterior, passando do nível individual para o coletivo, e da dominação para a imaginação. Esta ‘teoria de mudança’ que adotamos no Centro do Clima (ver imagem) acomoda as seguintes dimensões:
- O apoio aos agentes de mudança, com foco no indivíduo, incluindo proporcionar experiências que possam gerar profundamente uma ‘identidade planetária’, contribuindo para uma reconexão com o todo da Natureza, juntamente com o providenciar de recursos materiais e formativos que facilitem o surgimento de novas práticas e comportamentos
- O acolhimento do trauma gerado por um mundo em ‘estado de emergência’, enfrentando experiências percebidas de separação e dominação, a fim de incorporar profundamente a ética numa nova cultura de reconciliação
- O exercitar da criatividade para materializar uma nova realidade, questionando a forma como os indivíduos e as comunidades se expressam e se organizam e explorando possibilidades disruptivas que possam vir a manifestar-se
- A intensificação da colaboração reforçando esforços para apoiar uma nova cultura baseada no pensamento sistémico, facilitando a inteligência coletiva, promovendo uma sincronia de iniciativas com o surgimento de novos padrões de colaboração.
Quem já nos conhece, poderá agora entender melhor porque direcionamos os nossos esforços e recursos para projetos como as Vidas em Transição; Ecos (passeios à conversa na natureza); a recente vinda do Rob Hopkins para exercitar a nossa imaginação e criar ‘saudades do futuro’; ou a ‘insistência’ na construção de uma ampla rede de parcerias efetivas e envolvimento comunitário na gestão do território.
Peço desculpas pelo linguajar mais técnico desta crónica, mas partilhar a nossa ‘teoria de mudança’ é antes de mais um exercício de transparência. Para irmos mais além.
Pedro Macedo, Centro do Clima