A PESCA PRECISA DE BRAÇOS – E O PAÍS PRECISA DE SOLUÇÕES

0
1516

A escassez de mão de obra na pesca não é de hoje, mas os seus efeitos agravam-se de ano para ano. As novas gerações raramente olham para o mar como futuro profissional e os que ainda o fazem, cedo desistem face à dureza da vida a bordo, à instabilidade laboral e à desvalorização social da profissão.

Neste cenário, a contratação de trabalhadores estrangeiros deixou de ser uma alternativa para se tornar numa necessidade. Aliás, mais do que isso: é, hoje, uma condição essencial para a sobrevivência do setor.

No norte do país e em especial na nossa zona, são cada vez mais as embarcações que contam com tripulações oriundas da Indonésia. São homens com experiência no mar, habituados ao esforço, que chegam com vontade de trabalhar e que, na sua maioria, se têm revelado elementos de enorme valor para as nossas frotas. A sua integração nas comunidades piscatórias tem sido exemplar, tanto no convívio com os colegas portugueses, como na forma como respeitam as práticas locais e se adaptam ao novo contexto cultural.

Mas apesar desta realidade positiva, o processo de contratação e regularização destes trabalhadores é um verdadeiro calvário. A legislação nacional, longe de estar preparada para acolher a especificidade da pesca, impõe entraves administrativos desajustados, exigindo prazos, documentos e procedimentos que frequentemente colidem com a urgência da atividade. Além disso, o sistema de reconhecimento e equivalência de competências profissionais é lento, opaco e desadaptado, ignorando muitas vezes a experiência efetiva adquirida no mar por estes profissionais.

Talvez poucos saibam que o armador (o proprietário da embarcação) assume responsabilidades muito para além da simples relação laboral. Está legalmente obrigado a garantir as condições de permanência dos trabalhadores estrangeiros em território nacional, o que inclui o pagamento de, pelo menos, um salário mínimo nacional, alojamento condigno e alimentação. Em muitos casos, são também os armadores que suportam os custos associados à legalização dos trabalhadores, como a emissão ca documentação, certificados e deslocações a serviços administrativos (às vezes agendados para delegações da AIMA situadas a centenas de quilómetros) . Ou seja, quem emprega está, muitas vezes, a fazer o papel do Estado — com custos significativos, mas sem o apoio ou celeridade institucional que a situação exige.

Mas a questão mais preocupante é a certificação das competências dos trabalhadores indonésios. Para obter a cédula marítima portuguesa, o pescador indonésio tem de apresentar a sua certificação traduzida e legalizada, submetê-la à Autoridade Marítima Nacional, aguardar a comparação dos currículos formativos — que não obedecem a critérios padronizados — e, na maioria dos casos, realizar ainda formações adicionais em Portugal.

Não existe aquilo que é o mais fácil – um acordo de equivalência de competências entre Portugal e a Indonésia – o que obriga a um processo moroso, incerto e desajustado da realidade do setor. Tudo isto sem prazos garantidos, com ações de formação excessivamente longas e incompatíveis com o calendário da pesca, obrigando os pescadores indonésios a escolher entre ir para o mar ou permanecer na sala de aula.

É um procedimento que se arrasta durante meses, às vezes anos, enquanto se impede que profissionais que sabem pescar, têm experiência comprovada no mar e são reconhecidamente bons pescadores exerçam a sua atividade. Estamos a desperdiçar competências valiosas por mera ineficácia burocrática.

E durante esse tempo, multiplicam-se as ações de fiscalização marítima, como as que ocorreram recentemente entre a Póvoa de Varzim e Esposende, em que diversas embarcações foram autuadas por terem a bordo pescadores indonésios sem cédula marítima portuguesa. Estes homens, apesar de estarem legalmente em território nacional, com contratos de trabalho, descontos na Segurança Social e perfeitamente integrados nas comunidades e nas tripulações, são tratados como ilegais pelas autoridades.

O paradoxo é evidente: o Estado aceita que residam, aceita os seus impostos e contribuições, mas proíbe-os de exercer a profissão para a qual vieram, porque falta um carimbo ou uma equivalência formal que pode demorar anos a sair.

É um verdadeiro labirinto, que castiga não apenas os trabalhadores, mas também os armadores, que se veem encurralados entre a necessidade urgente de mão de obra e a rigidez cega da burocracia. Neste cenário, quem perde é o setor, é a economia local e é o próprio país, que continua a desperdiçar talento e a travar quem está genuinamente disponível para trabalhar.

A Apropesca não pede favores. Pede apenas que se reconheça a realidade e se encontre uma solução.

Sem mão de obra, não há pesca. E sem trabalhadores estrangeiros – nomeadamente os indonésios, que já provaram estar à altura – não haverá futuro para muitas embarcações portuguesas. Está na altura de criar respostas claras, céleres e eficazes, tanto no plano legal como na valorização das competências que estes homens trazem consigo.

Ou reconhecemos quem pesca por nós, ou afundamos sozinhos.