A poveira e lanutense Marisa Costa, vice-presidente da APROLEP – Associação dos Produtores de Leite de Portugal, e mentora do projeto «Leite é vida» diz que, apesar da pandemia ter afetado o setor, “nunca faltaram alimentos nas prateleiras dos supermercados”. Isso deve-se aos agricultores, que contribuem também para as paisagens cuidadas que se veem na região. Um trabalho que, lamenta Marisa Costa, não é ainda totalmente valorizado, também muito devido à “desinformação” da imprensa nacional que “denigre” a imagem do agricultor.
A pandemia afetou o setor agrícola?
Todos sentimos os efeitos da pandemia quer a nível pessoal quer profissional. A pandemia afetou todos os setores de atividade e o setor do leite não foi exceção. Com os restantes, cafés e hotéis fechados verificaram-se quebras significativas nas vendas das empresas que fornecem leite, pacotes de manteiga, iogurtes e queijos.
Consegue identificar algum benefício desta pandemia para a agricultura?
Neste período vivemos tempos difíceis e conturbados, de algum desânimo e incerteza, mas nunca faltou comida na mesa dos portugueses nem alimentos nas prateleiras dos supermercados. Fomos nós, os agricultores, que garantimos o abastecimento dos canais de distribuição.Verificamos também que a população em geral e os poveiros em particular procuraram mais os espaços rurais para os seus momentos de lazer. A ciclovia que liga a Póvoa de Varzim a Vila Nova de Famalicão e os caminhos que dão acesso aos campos encheram–se e continuam a encher-se de pessoas que praticam desporto e famílias que passeiam e ocupam os seus tempos livres. É graças ao trabalho dos agricultores que a população pode desfrutar de paisagens cuidadas, das cearas verdejantes e podem assistir ao desabrochar das plantas na primavera. Apesar de tudo isto, sinto que esta pandemia não foi suficiente para a população perceber a importância dos trabalhos dos agricultores e o quanto é fundamental o nosso país possuir um setor primário forte e até mesmo autossuficiente.
Têm sido publicados vários artigos a nível nacional sobre a agricultura. Como é que os agricultores interpretam estas notícias?
Com preocupação. Muita preocupação. A sociedade evoluiu e a agricultura acompanhou esta evolução, mas a informação que circula na comunicação social é enviesada, distorcida e protagonizada por quem não tem ligação com o meio agrícola. A maioria dos artigos e reportagens recentes sobre agricultura não têm os agricultores como protagonistas. Quem melhor para falar de agricultura que nós os agricultores? Se eu tenho uma questão de saúde questiono um médico, não questiono um eletricista. Na agricultura todos se consideram “experts” nesta matéria. Uma pesquisa no Google e temos logo a resposta. A população é cada vez mais urbana e está distante dos meios de produção. No passado era comum as crianças interagirem com os avós que cultivavam o quintal, tinham galinhas, coelhos, porcos. Hoje em dia isso não acontece. Temos assim o cenário perfeito, por um lado a desinformação que aliada a reportagens distorcidas denigrem a imagem do agricultor. Uma observação atenta permite-nos perceber que estas reportagens apanham imagens distantes e muitas pelas traseiras das quintas/ vacarias, o que evidencia que foram captadas sem autorização. Qualquer agricultor tem orgulho em abrir as portas da sua quinta e dar a conhecer o seu trabalho. Não temos nada a esconder. Quando falamos sobre um setor ou profissão é fundamental entrevistar/ouvir quem verdadeiramente está no terreno e faz dessa atividade (agricultura, neste caso) a sua vida.
A agricultura é uma prioridade do poder político?
Não. Aliás, as constantes alterações no ministério da agricultura evidenciam isso mesmo, cada vez este ministério tem menos poder. Eu confesso que gosto particularmente dos anos em que decorrem eleições, porque sinto que pelo menos nesta altura temos mais atenção por parte dos nossos governantes. As empresas agrícolas recebem os candidatos e respetivas comitivas e ficam a conhecer um bocadinho mais a nossa realidade e os problemas com que nos deparamos.
Que medidas que podem ser implantadas tendo em vista o desenvolvimento da agricultura?
Contribuir para uma comunicação clara e contínua dirigida à comunidade escolar e à população. Defendo que as crianças deveriam visitar vacarias, empresas ligadas à hortícola (à pesca também), etc. para contactarem com a realidade da produção e depois formarem a sua própria opinião. Criar iniciativas mensais relacionadas com a agricultura nos centros das cidades como estratégia de aproximação ao consumidor. Organizar iniciativas empresariais que promovam os vários setores de atividade, criando uma cultura de entreajuda e criação de sinergias. É fundamental reduzir burocracias e agilizar processos para atrair investimento e captar jovens agricultores para o setor.