Passada que está a quadra consumista do Natal e Fim de Ano, heis-nos bombardeados por tudo o que é televisão e jornal, com sermão e missa cantada, sobre os gastos feitos pelo indígena nacional na quadra. Primeiro incitam o paroquiano a gastar, e tudo serve para para todos. Depois, bem, as almas pesarosas esfregam as mãos por poderem mostrar que são ‘solidárias’, com muitas palavras abater. Os que fiaram, que fiquem prejuízos. E as televisões e jornais, lá voltam à baile mandado dos mercados, divida pública, défice e contas equilibradas. Claro tudo com muito ranho e baba a condimentar as receitas para ‘as manhãs que cantam’ futuras, onde o ‘investimento’ e a ‘economia’, ou não arrancam, ou precisam de um empurram. Economês para gáudio dos pagode, no seu melhor.
Mas necessitamos mesmo tanto de continuar a despejar tanto dinheiro para tão pouco? Ou será que uns tantos poucos, nos andam a enganar, para sacarem muito?
O nosso problema financeiro e económico é mesmo uma questão de plantar dinheiro no deserto, ou um deserto de iniciativas empresariais sustentáveis e economicamente sérias?
No sentido de ajudar a formar opinião, com a devida vénia, a seguir vou reproduzir o artigo de um poveiro, distinto, responsável e conhecedor, o meu Amigo Meira Fernandes, texto que foi recentemente publicado no D.N., e cuja leitura aqui recomendo.
É o crédito que trava o investimento?
Atribuir a falta de crescimento da economia a dificuldades de acesso das empresas ao financiamento bancário, não é o cerne do problema.
As pressões a que a banca nacional esteve submetida, entre 2011 e 2014, e que obrigaram a grandes alterações estruturais que enfraqueceram a sua capacidade de financiar a economia real, não foram ainda ultrapassadas, mas estão significativamente resolvidas. Os bancos contabilizaram imparidades, procederam à desalavancagem do crédito e reforçaram os seus capitais próprios: cumprem as exigências do BCE, estão em melhores condições de apoiar a economia.
Agora, é a própria Associação Portuguesa de Bancos[i] a subscrever a afirmação do BCE de que existe excesso de liquidez na banca da zona Euro, e a enfatizar que na banca nacional há 4 mil milhões de euros “parados” (mais de 2% do PIB).
Não é a falta crédito que trava o investimento empresarial, embora o nível de endividamento em muitas das empresas possa ser um forte condicionamento.
O excesso de liquidez e de oferta de crédito tem, até, o efeito talvez menos saudável, ou mesmo perverso, do regresso a campanhas agressivas de puro crédito ao consumo: acelerou 19%, com o ritmo dos novos empréstimos ao nível de 2010.
A maior exigência nos critérios de concessão de crédito pelos bancos não é, só por si, suficiente para explicar que a procura de crédito pelas empresas se situe abaixo da oferta de crédito pelos bancos.
Carecem de análise as razões pelas quais, em mercado de ‘abundância’ de liquidez, o tão almejado crescimento económico continua uma miragem e se verifica uma evolução negativa, acumulada, do investimento (FBCF) das empresas.
É na quebra e subsequente frouxidão da “procura total” da economia, a que se associa uma persistente falha de confiança, que estará a principal causa da anemia do investimento das empresas. Os inquéritos do INE evidenciam que é nas fracas perspectivas de venda, ou seja, na procura, que se centra o principal factor limitativo do investimento no seio das empresas que têm problemas em investir: a procura tem um peso de cerca de 49%, contra 8% na disponibilidade de crédito, 3% no nível das taxas de juro. Já foi pior, a falta de procura já pesou mais, uns 65% em 2012, ocorreu entretanto alguma melhoria…
Aliada à apatia e falta de confiança dos investidores, também certos bloqueios institucionais não ajudam os investimentos das empresas. Estudos do World Economic Forum concluem, no seu relatório de Setembro 2016, que os factores mais adversos para fazer negócio em Portugal são o elevado nível das taxas de impostos, a legislação fiscal complexa, a instabilidade política, a burocracia do Estado, etc. E que, entre 138 países analisados, Portugal desce 8 posições no ranking da competitividade global (passa de 38º para 46º) e ocupa as modestíssimas posições de 113 nos incentivos ao investimento, 126 no funcionamento da justiça e 129 na solidez dos bancos (não concordo com esta posição 129, muito longe disso).
Igualmente, medidas de incentivo anunciadas mas não concretizadas podem adiar as decisões de investir. É o caso das prometidas novas revisões do código fiscal de investimento. E é o caso da conhecida demora no arranque da IFD, vulgo “banco de fomento”, cujos instrumentos de capitalização das empresas foram aliás, em grande parte, re-previstos no recente “programa capitalizar” que o governo ainda irá executar. O investimento global em Portugal – 15% do PIB – pouco mais é do que metade do que era há quinze anos.
Pela vertente do investimento público, também o seu efeito no crescimento da economia não se tem apresentado favorável. Apesar de, desde a intervenção da troika, Portugal ter melhorado o acesso a financiamento, o Governo, compelido ao cumprimento das regras europeias do défice e da dívida, está a recorrer a mais cortes no investimento público. Estes cortes, porém, inserem-se em opções orçamentais que mudam a composição da despesa pública em sentido que levanta muitas dúvidas.
Para países como Portugal, também é fundamental o papel do BCE no financiamento da economia em geral e do investimento em especial.
Os ‘anos dourados’ dos bancos centrais, assentes em políticas de desregulamentação e ténue supervisão, acabaram por alimentar nos bancos um período de assumpção excessiva de risco e de instrumentos e operações questionáveis.
O BCE, já com Draghi, corrigiu o seu modo de intervenção e enveredou por um novo caminho das políticas monetárias, incluindo instrumentos pouco convencionais: baixou as taxas de juro; lançou programas de compra de dívida em larga escala, assim fornecendo liquidez aos bancos; colocou em terreno negativo a taxa de depósitos dos bancos no BCE.
Para onde vamos, e como vamos, está dependente da vontade e da capacidade de os governos da zona Euro se juntarem ao BCE, com políticas orçamentais mais anticíclicas e, ao mesmo tempo, políticas mais estruturais e mais reformistas, políticas mais amigas do investimento.
[i] Em ‘JN’, 10 de Outubro, pg.9