Em Portugal, 37% dos idosos tomam um ou mais medicamentos inapropriados.
Os idosos possuem uma maior propensão a desenvolver doenças crónicas como diabetes, hipertensão, cardiopatias, doenças ósseas degenerativas, demências e outras. Geralmente, consultam diferentes especialidades médicas, que vão associando várias classes de medicamentos ao seu historial farmacológico, gerando o que se designa por polifarmácia. Por vezes, cada especialista assume apenas a responsabilidade sobre o “órgão doente” da sua área de atuação, sem considerar o ser humano como um todo, com as suas características biológicas, psicológicas e sociais, e acrescenta o “seu” fármaco. Da polifarmácia resulta muitas vezes o desenvolvimento de uma cascata terapêutica. Dizemos que se criou uma cascata terapêutica sempre que um determinado fármaco provoca um efeito secundário que é erradamente interpretado como uma nova situação clínica levando à prescrição de um novo fármaco. Torna-se por isso necessário fazer uma revisão sistemática dos medicamentos prescritos na população idosa.
Os médicos de família ou de medicina interna, com a sua visão holística centrada no doente e capacidade sintetizadora de conhecimentos, deverão assumir a liderança na revisão terapêutica. A isto se chama desprescrever. Essa prática consiste numa rigorosa análise dos diagnósticos e das prescrições, identificando os seus efeitos secundários, de modo a manter apenas os medicamentos estritamente necessários, contribuindo para uma maior qualidade da farmacoterapia. Esta reflexão leva igualmente a uma redução de gastos com medicamentos e com internamentos decorrentes, por exemplo, de efeitos adversos. As intervenções podem variar desde a modificação das doses, substituição ou eliminação de fármacos da prescrição médica.
A definição de objectivos terapêuticos adequados e a ponderação dos riscos e benefícios de introduzir ou suspender uma terapêutica são um desafio para qualquer clínico. O processo de desprescrever não consiste em negar tratamento efetivo a pessoas que dele beneficiam, pretende apenas assegurar que não recebem terapêutica prejudicial ou cujo benefício não está comprovado, seguindo os ensinamentos de Hipócrates, pai da medicina – primum non nocere.
O médico é, por vezes, visto pela população como um prescritor de fármacos. No seu papel de prescritor, sofre a pressão da complexidade das situações clínicas a resolver e da expectativa do doente e familiares na sua rápida resolução. Por isso, desprescrever não é o que se espera de uma ida ao consultório. Contudo, o sobrediagnóstico e tratamento excessivo são perigosos para a saúde e introduzem custos desnecessários no sistema. Como qualquer intervenção em saúde, a desprescrição necessita de uma relação de confiança entre médico e utente e a partilha das decisões, ressalvando que nenhuma alteração deve ser vista como irreversível. Até porque a suspensão de fármacos não está ausente de riscos e as reações de abstinência são bem conhecidas.
A desprescrição deve ser uma prática mais valorizada, até porque a evidência, até à data, sugere que desprescrever produz mais efeitos benéficos que malefícios.
Portugal é muitas vezes referido como um dos maiores consumidores de fármacos per capita, a nível mundial. Está na hora de inverter essa tendência e de apostar na educação para a saúde, numa medicina menos centrada nos medicamentos e mais virada para a adopção de estilos de vida saudáveis por parte de todos, especialmente dos idosos, sobretudo nos campos da nutrição e do exercício físico.
Artigo escrito por Álvaro Reis, Assistente Graduado de Medicina Geral e Familiar e Amigo da Associação de Solidariedade Social de Santa Cristina de Malta (SANCRIS).