Foi com esta frase com ar de irritação que a Ministra da Saúde reagiu às criticas de desorganização e falta de planeamento na gestão da crise pandémica em Portugal.
Mas o assunto é bem sério, e uma frase como esta, ao invés, deve traduzir, sim, a indignação de todos os portugueses perante a calamitosa gestão da crise que vivemos no nosso país.
Desde o passado mês de março que estamos todos a viver uma crise absolutamente única. É, pois, aceitável que numa primeira fase a gestão da situação tenha sido muito casuística e, mesmo, particularmente errónea.
Mas porque o medo é muitas vezes um excelente conselheiro, inicialmente fomos até dados como um exemplo. Só que quando as coisas só surgem do medo, mais tarde ou mais cedo a situação irá divergir. Foi o que aconteceu…
Desde os primeiros momentos que houve mutos especialistas que chamaram a atenção para situações que deveriam ser tidas em conta. A primeira era que iria existir uma segunda onda previsivelmente no último trimestre do ano, pelo Outono, e que a esta poderiam suceder-se outras ondas. A segunda era que, depois da reação de surpresa em março, se teria que produzir um trabalho sério na definição de planos para o combate a esta pandemia, nomeadamente considerando as limitações humanas e físicas que um país como o nosso teria, e tem, desde logo na área da saúde.
Ora, o Governo, e os restantes elementos nomeados para gerir esta crise no nosso país, o que vêm fazendo é tudo menos o que deveria ser feito. As decisões que vão tomando vêm sendo inconsistentes e totalmente defensivas, correndo sempre atrás do prejuízo, o que as torna particularmente ineficazes. Por outro lado, os exemplos que têm dado têm sido ainda mais erróneos e incoerentes.
Na prática o Governo tem demonstrado medo, medo e incapacidade de agir e de decidir.
E para isto muito contribui a falta de um verdadeiro comando na gestão desta situação, com as senhoras Ministra e Diretora Geral da Saúde, sem qualquer experiência para a gestão de crises, a serem desde logo os principais agentes de desacreditação das medidas que, dizem, vão tomando.
Mas, ainda mais grave, é que a elas têm sucedido outros governantes e políticos, como o Ministro da Educação ou o Ministro da Administração Interna, completamente desfasados da realidade e sem qualquer coordenação pelo Primeiro-ministro.
Deixo aqui, a título de exemplo, dois exemplos muito simples.
Como é possível que, perante uma situação de pandemia a nível mundial, com perspetivas muito preocupantes, e sem planos de contingência efetivos para o nosso país, os nossos governantes tenham ido gozar o “seu merecido período de férias” no verão?
Esse era o período em que o trabalho deveria ter sido intensificado sem limites para preparar o que aí viria. Esse era o período em que deveriam ter sido tomadas medidas e decisões com consequências à distância por forma a criar condições físicas (instalações) e humanas (pessoas e equipas) para responder à situação que já vivíamos e que iria intensificar-se, como já à data era indiciado por muitos especialistas.
O segundo, mais recente, é o que se passou no período natalício. Até pode ser admissível que o Governo quisesse dar uma “prenda” neste período aos portugueses. Mas já não é aceitável que perante o afastamento das projeções de infeção apresentadas a 3 de dezembro, que suportariam o desconfinamento natalício, logo na semana seguinte, nada tenha sido feito até à segunda semana de janeiro! O resultado está à vista… e este resultado não pode passar sem responsabilidade política.
O primeiro ministro chegou a dizer numa conferência de imprensa em novembro passado que não haveria problemas na resposta à pandemia porque “ainda temos 361 camas de internamento disponíveis e se for necessário alargaremos às 15171 restantes”, esquecendo que só na semana anterior o saldo de internamentos tinha crescido em mais de 500 e, mais uma vez e como sempre o fez, esquecendo todos os portugueses que padecem de outras doenças e que precisam de ser internados e que estão na origem do anormalmente elevado número de mortes em Portugal desde o início da pandemia com especial enfoque no mês de janeiro agora terminado.
A verdade, é que a inépcia da ação do Governo, e de todos os que envolveu na gestão desta crise, onde o presidente da comissão de vacinação é outro exemplo de quem não tem capacidade para os lugares que ocupa, tem sido exemplar do que não deve ser feito.
E, como disse, se aquando da primeira vaga, podia dizer-se que ninguém estava preparado para a situação que se estava a viver, agora já tudo é diferente e estamos perante a incapacidade do poder político em responder ao que dele se pede.
E o que se pede, antes de tudo, é que seja responsável por ações que protejam os portugueses, que minimizem as consequências nefastas de uma pandemia particularmente violenta.
O resultado está à vista. Estamos no topo de todos os rankings em que não queremos estar.
E sobre isto só se pode dizer uma coisa, é “criminoso, é absolutamente criminoso” o que não está a ser feito para proteger os portugueses em geral, e os mais desfavorecidos em particular.
O que se espera agora, ou o que se deveria espera num país civilizado e desenvolvido, são duas coisas.
A primeira, e mais urgente, é que se altere rapidamente o rumo. Que as equipas que coordenam, coordenem de facto as respostas à crise nas suas múltiplas facetas, desde logo sanitária, mas também económica e social. É necessário, para lá de um estado de emergência no país, um verdadeiro governo de emergência nacional.
A segunda, a ocorrer eventualmente um pouco mais à frente, é que, perante a responsabilidade, pelo menos política, pela morte de milhares e milhares de portugueses, muitos deles evitáveis se devidamente gerida a crise, quem nos governa peça desculpas aos portugueses e assuma a suas responsabilidades. É o mínimo perante a catástrofe a que se assiste. É que é “criminoso, absolutamente criminoso” o que se está a passar.
Lembro aqui, que por muito menos do que isto, e há bem pouco tempo, o Primeiro-ministro holandês assumiu as suas responsabilidades e se demitiu. E lembro, ainda, que, por causa da queda de uma ponte e da morte de 59 portugueses, em 2001, o então Ministro do Equipamento Social assumiu as suas responsabilidades, demitiu-se e afastou-se da vida política pública.
Já quanto ao Senhor Presidente da República, e após a validação do seu mandato no passado dia 24 de janeiro, o que de espera, para bem de todos, é que assuma na plenitude a sua função de primeiro magistrado do país, não permitindo o descontrolo a que se vem assistindo, obrigando ao assumir das responsabilidades e a uma gestão eficiente nestes tempos de crise para que, todos, possamos esperar um futuro melhor.
J. Miranda Coelho
(*) frase dita pela senhora ministra da saúde em entrevista à RTP 1 em janeiro de 2021.