Entre a crise habitacional e janelas de oportunidade – Opinião de Rute Cravo

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No contexto de crise habitacional em Portugal, já amplamente reconhecida, o Programa Mais Habitação trouxe um conjunto de medidas destinadas a combater esse flagelo. Algumas, como as isenções fiscais na aquisição de casa por jovens ou os apoios ao arrendamento, são positivas, mas insuficientes. O verdadeiro problema continua a ser a falta de oferta.

Nesta senda, foi aprovada recentemente a denominada “Nova Lei dos Solos” que, por alteração ao Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão, veio permitir que os municípios possam, a título excecional, reclassificar terrenos rústicos como urbanos fora da revisão formal dos Planos Diretores Municipais (PDM’s).

Por boa vontade que haja na medida, chega, todavia, numa altura em que a maioria dos municípios se encontra em processo de revisão dos seus PDM’s, o que torna pouco provável que optem por abrir procedimentos excecionais, quando estão já a preparar novos planos com base em regras atualizadas.

E falando de PDM’s, cujas revisões estão sujeitas a pareceres obrigatórios de entidades públicas externas ao Município, importa também falar sobre a anunciada eliminação da categoria de “solo urbanizável”. Esta categoria define os terrenos que, embora ainda não infraestruturados, estão previstos para futura construção no PDM em vigor. Em muitos municípios, como Póvoa de Varzim ou Vila do Conde, esta categoria tem sido uma ferramenta essencial para o crescimento ordenado do território.

Com a sua extinção, que se prevê acontecer definitivamente com a entrada em vigor dos novos PDM’s, passará a existir apenas solo urbano ou rústico, pelo que muitos terrenos urbanizáveis poderão ser reclassificados como rústicos, perdendo o seu potencial construtivo. Esta alteração, pensada para garantir um melhor ordenamento, poderá, paradoxalmente, limitar ainda mais a construção em plena crise habitacional.

Este momento cria uma janela de oportunidade para quem detém terrenos urbanizáveis. Enquanto os PDM’s atuais vigorarem, ainda é possível apresentar projetos ou pedidos de informação prévia (PIP) com base nas regras existentes. E mais importante: se for emitido um PIP favorável, o município fica, durante dois anos, vinculado a essa decisão, o que significa que, no novo PDM, o terreno constará como urbano.

Na Póvoa de Varzim e em Vila do Conde, zonas em franco crescimento, esta poderá ser uma oportunidade estratégica. Num contexto onde o acesso à habitação é cada vez mais difícil, saber como, onde e quando agir pode fazer toda a diferença.

Neste cenário, é fundamental que proprietários, promotores e autarquias estejam alinhados e informados, para que as decisões tomadas hoje possam garantir soluções habitacionais viáveis amanhã.