“Esta nossa gente trabalhou no duro enquanto o país inteiro parou”

0
1113

Fernando Rosa, presidente da Junta da União de Freguesias de Aguçadoura e Navais, explica nesta edição, como tem decorrido o ano 2020 na vila aguçadourense. O autarca confessou o sentimento de um povo que nunca deixou de trabalhar e que tem um enorme respeito pelas regras no combate à pandemia da covid-19. Para o líder do executivo da junta, os dias mais tristes do ano “foram mesmo os da festa de Aguçadoura”.

Nesta fase de confinamento, e volvidos 8 meses de pandemia Covid, como tem reagido a população de Aguçadoura a esta adversidade, e qual tem sido a preocupação principal do presidente de junta?

O facto de nós estarmos inibidos de saber quem são as pessoas que estão infetadas pela covid-19, corta-nos muito as bases para podermos ter uma ajuda mais eficaz em relação àquilo que seria o que se precisava e o que se pedia a uma junta de freguesia.

Mas temos tido vários casos em que nós sabemos, e por vezes porque as próprias pessoas infetadas, nos comunicam, e temos encontrado algumas situações em que de facto é urgente dar apoio social. Sempre que nos foi pedido e que nós conseguimos saber onde estavam as necessidades, a junta de freguesia tem tido um papel que tem sido importante para essas pessoas. Mais gostaríamos de ter feito, mas a proteção de dados impede-nos de saber quem são as pessoas que contraíram o vírus e nós ficamos, por vezes, de mãos e pés atados sem podermos fazer mais.

A título de exemplo, uma família de meus vizinhos esteve infetada, estavam confinados há oito dias em casa e eu não me apercebi. Eles cumpriram de tal forma as regras e aquilo que se pedia que nem eu próprio, que vivia ao lado, me apercebi que havia covid-19 naquela casa.
De uma maneira geral, eu acho que as pessoas de Aguçadoura têm acatado bem tudo aquilo que lhes é pedido. E exemplo disso foram os fins de semana, em que houve confinamento a partir das 13h. Durante o dia, não se via praticamente vivalma nas ruas. Temos tido alguns casos, e por isso eu fiz um artigo no jornal da freguesia a pedir respeito e cuidado, porque isto não é uma brincadeira. Há sempre aqueles, não muitos, felizmente, que furam as regras e que causam o pânico noutros que as cumprem.

Tivemos casos de pessoas infetadas que tentaram continuar a fazer a sua vida normal, e aí tivemos de pedir apoio à GNR e intervir. Tivemos casos de pessoas que não estavam infetadas mas que diziam que estavam e que causavam o pânico também.

Mas podemos dizer, de uma maneira geral, que a população de Aguçadoura cumpriu com o que lhes foi pedido e tem tido cuidados. Penso que, até ao momento, não temos de lamentar morte nenhuma [relacionada com a Covid-19] na nossa terra, o que só por si é importante, atendendo a que temos cá um Lar de terceira idade e um Centro de Dia, que esteve fechado durante muito tempo. Neste momento, está aberto com muitos poucos utentes, com 20/30% dos utentes que tinham anteriormente, se calhar nem isso. E atendendo também a que temos escolas, com muitos alunos: temos infantários, creches. Não temos nenhuma vítima a lamentar até ao momento, e que assim seja mais dois ou três meses. Depois, hão de vir dias melhores.

Este ano, o Plano e Orçamento para Aguçadoura foi completamente alterado, passou a ser mais social?

Em parte. Nessa questão, tivemos muito apoio da Câmara Municipal e todo o apoio social dado tem sido em articulação com a Ação Social da Câmara Municipal. Mesmo no nosso apoio, nunca damos nada sem comunicar com a Câmara, para que tenha dados fidedignos daqueles que têm sido os problemas e da ação social que tem sido feita, e para que não se dupliquem dados. Pode acontecer uma pessoa pedir apoio na Câmara e também na Junta de Freguesia. Aí, temos de distribuir bem os meios que tivermos: não vamos distribuir tudo a uns e nada a outros que precisem tanto com eles.

Por isso, não mexeu muito com o nosso orçamento. A Câmara chamou a si essa responsabilidade na questão dos alimentos e dos cabazes, assume quase tudo aquilo que se tem entregado.

No entanto, a vida social da freguesia parou. Como é que as associações e as coletividades que organizam os eventos, conseguem resistir à pandemia?

As associações pararam completamente. A maioria dos apoios à atividade era patrocinada pela junta de freguesia, ou sejam, temos uma forma de subsidiar as nossas associações. Não atribuímos um subsídio anual a cada associação, atribuímos um subsídio por realização. Se temos uma associação que passou o ano sem fazer absolutamente nada, não vai ter apoios nenhuns, e aquela que trabalha muito, tem sete, oito, dez atividades fortes durante o ano, essa sim vai ter apoios. Como não houve eventos, não foi praticamente necessário dar apoios.

Por outro lado, por exemplo no Aguçadoura Futebol Clube, o apoio que damos durante o ano é pagar a água e a luz. Como não têm atividade, a despesa também diminuiu para a junta, e não damos outro apoio a não ser esse. Já o Grupo Cultural e Recreativo Aguçadourense utiliza muito o pavilhão para as atividades. Quem pagava a luz e a água e ainda subsidiava para muitas atividades era a Junta de Freguesia. Como não há, também nos diminuiu essa despesa. Na equipa de atletismo, não tem provas, não há prémios. O Rancho Folclórico não tem saídas, por isso não tem necessidade do apoio para as deslocações.

As associações estão estagnadas, pararam. Naturalmente, logo que isto comece a mexer, se calhar os cofres não estarão nas melhores condições, mas também não estarão nas piores. Se calhar, nessa altura, cá estamos nós de novo para começar a apoiar para que as associações tenham a sua atividade normal.

A última atividade que tivemos na freguesia com as associações foi a Agupesca, que fez o seu concurso de pesca com um jantar e entregas de prémios, no início de março. A partir daí não tivemos nada. Como em praticamente todas as associações as despesas de água e luz são suportadas pela junta, não nos têm feito chegar nenhum pedido de apoio.

Este ano, no mês de julho, a pandemia travou as festas de Aguçadoura, o principal momento de união da freguesia. Isso mexeu com o quotidiano com as pessoas?

Tudo [o que se cancelou] era importante, foi triste, toda a gente sentiu a falta da vida que se tinha em Aguçadoura, da vida desportiva, cultural, recreativa. Mas as festas são o ponto alto. Naquele dia, sentia-se que era um dia triste. A missa foi transmitida em direto pela rádio Onda Viva, mas foi uma coisa diferente, uma coisa fria. As pessoas sentiam que era um ano atípico, uma coisa nunca vista. O meu sogro tem 95 anos e disse que nunca tal coisa viu na vida dele, não se realizarem as festas por uma coisa destas. Foi aí que se acentuou mais e se percebeu de facto a dimensão desta tragédia.

No próprio dia da festa, as pessoas ligaram-me e disseram “nem um foguete para assinalar”. E eu disse para não confundirem as coisas entre Comissão de Festas e Junta de Freguesia. A comissão organiza, a junta dá o apoio logístico, porque quem paga a festa são as pessoas. Não é a junta quem tem de dar os foguetes. Mas os dias mais tristes do ano foram mesmo os da festa de Aguçadoura.

Fala-se em soluções para combater esta pandemia, nomeadamente a questão das vacinas que podem aparecer nos próximos meses. A população de Aguçadoura está preparada para passar por este inverno, na esperança de melhores dias?

Eu acho que sim. Uma característica das pessoas de Aguçadoura é serem positivas. As pessoas acreditam sempre que é possível, tanto no trabalho como em toda a dimensão das suas vidas. Neste momento, ao ouvirmos falar em várias vacinas que estão a entrar em fases finais, e quando se fala que em janeiro já é possível começarem a chegar algumas vacinas a Portugal, acho que é aquela luz ao fundo do túnel. As pessoas já se estão a focar nela.

As pessoas nunca deixaram de trabalhar. Encararam sempre esta pandemia de peito aberto. Pode chegar, podemos alguns de nós padecer dessa doença, mas nós não podemos parar. Acho que o papel das pessoas de Aguçadoura foi muito importante no período do confinamento, que se calhar em vez de se trabalhar 8-9 horas, se trabalhavam 12 horas, para que os produtos não faltassem nos mercados. Há que fazer uma ressalva a esta nossa gente que trabalhou no duro enquanto o país inteiro parou. Aproveitou a situação e nunca deixamos que faltasse nada do outro lado da barricada.

Acho que estamos mesmo preparados. As pessoas de Aguçadoura sabem o que querem, começam a ver a luz ao fundo do túnel e a ver que se calhar no próximo verão já vamos ter isto mais normalizado.