A habitação é hoje um dos temas mais debatidos, quer nos meios de comunicação, quer no debate político, no entanto pouco se fala em medidas concretas, em medidas que façam conter o aumento dos preços, ou ainda o aumento da oferta de habitação para a classe média e média baixa.
Se por um lado não restam dúvidas que existiu um grande esforço do Estado e das Autarquias no pós 25 de Abril, esse esforço parou no final da década de 90, levando àquilo que hoje conhecemos, uma inércia nas últimas duas décadas, levando à enorme falta de habitação, mas sobretudo à falta de “stock” para arrendamento.
Só em 2022, a procura no mercado de arrendamento aumentou entre janeiro e junho cerca de 30%, invertendo uma tendência para a compra de habitação devido ao sucessivo aumento dos preços e a uma mudança de mentalidade dos consumidores.
Mas se existem milhares de edifícios devolutos no país, o que falta?
Falta uma verdadeira política de habitação, uma profunda alteração no Regime de Arrendamento Urbano que eleve a confiança dos proprietários, e uma política que esteja ao mesmo tempo interligada com a captação de investimento e de emprego. Não podemos continuar a assistir a uma pressão sobre o imobiliário nas cidades do Porto e de Lisboa, alastrando essa pressão para outras zonas das duas áreas metropolitanas, sem tentar acrescentar algum equilíbrio.
Saltam à vista dois problemas aos quais não vejo uma solução a curto ou médio prazo, a litoralização do país, e o aumento dos preços da habitação nessas mesmas zonas. É legítimo que os autarcas das principais cidades portuguesas queiram continuar a atrair grandes empresas, a atrair o turismo, a atrair cidadãos, mas ao mesmo tempo deixa de ser legítimo quando esse crescimento não é equilibrado, e quando outros concelhos vizinhos sofrem com a pressão do aumento dos preços pelo aumento da procura e pela falta de oferta.
Talvez uma das soluções para o “descongestionamento” do litoral, passe pelo papel das Autarquias e do Estado na captação de parte desses investimentos privados para os concelhos do interior do país, afinal o que não falta por esse país fora são casas devolutas e terrenos a baixo custo. O Estado tem aqui um papel fundamental, não só na diplomacia económica para a captação de investimento, como na necessidade de aumentar a aposta nos polos universitários do interior, atraindo jovens, e contribuindo para a fixação da população.
Será que um jovem em início de vida, prefere estar em Lisboa numa empresa de tecnologias de informação e ter que desembolsar mais de 50% do seu salário numa renda, ou prefere estar na mesma empresa, mas noutro concelho onde possa investir apenas 20% ou 25% do seu salário? Algumas Autarquias do interior do país têm programas de rendas comparticipadas, bem como outras medidas para tentar captar novos residentes, mas de que valem essas medidas se as pessoas não tiverem emprego? Hoje, fruto da globalização, os cidadãos vivem em qualquer lado do mundo, mas vivem sobretudo onde tiverem um bom emprego, seja em Mangualde ou na Póvoa de Varzim, e isso sem uma verdadeira estratégia nunca irá acontecer por muito que seja o esforço de uma Autarquia.
Mas dirão vocês, este artigo não era sobre o problema da falta de habitação, é, mas se queremos resolver verdadeiramente o problema, não podemos ter o foco apenas em construir mais casas, temos também de retirar pressão nos grandes centros urbanos, caso contrário, vamos passar a ter definitivamente uma litoralização do país e com isso o continuo aumento dos preços, seja para compra ou para arrendamento, logo no meu entender urge o reforço da capacidade de atração do interior.
Gostava ainda de abordar um outro problema que afeta diretamente o preço das casas, o elevado valor dos terrenos, e aqui quer o Estado quer as Autarquias demitiram-se da sua função urbanizadora acabando por limitar a oferta e por potenciar o existente.
Numa aula com a Dra. Fernanda Paula Oliveira na FDUC, quando abordou o papel fundamental das Autarquias e do Estado nestas questões, identifiquei-me com a sua opinião, de que são estes que têm a capacidade de urbanizar, de organizar o território, de planear, de dar e retirar capacidade edificativa aos terrenos. Senão vejamos, fará sentido aquando da realização de um Plano, que uma Autarquia “dê” capacidade edificativa a um terreno que até então não a tinha, ou então, que aumente uma capacidade já existente sem receber nada em troca, com exceção de taxas e cedências aquando da realização dos investimentos imobiliários? E se os donos dos terrenos nunca edificarem nada, a Autarquia nada recebe? As cedências não se fazem? Será que as Autarquias apenas têm obrigações, mas não têm direitos? Fará sentido que um terreno passe por exemplo de 5€/m2 para 100€ ou 150€/m2, aumento esse fruto de um plano municipal de ordenamento do território ou de uma nova infraestrutura, sem nada receber? Não me parece, mas infelizmente é o que acontece. Não seria mais justo a existência de uma compensação por parte dos proprietários às autarquias, pois foi por efeito do investimento delas que os terrenos valorizaram 10 ou 20 vezes? E porque não o proprietário/promotor ceder por exemplo uma percentagem das suas frações às Autarquias, em troca dessa mesma capacidade edificativa, possibilitando que as mesmas fossem disponibilizadas para arrendamento, ou então a cedência de terrenos com capacidade edificativa?
É um modelo que tenho vindo a refletir à semelhança de outros técnicos, e que hoje muita falta faria às Autarquias e ao Estado, uma “bolsa de terrenos”, ou uma “bolsa de casas” fruto das várias “bonificações” que os proprietários de terrenos tiveram desde a entrada em vigor dos Planos Municipais de Ordenamento do Território.
Olho por exemplo para os terrenos do Parque da Cidade do Porto ou da Póvoa de Varzim, que contribuíram sem dúvida para a qualidade de vida dos seus cidadãos, mas que ao mesmo tempo fizeram disparar o valor de todos os terrenos, em volta dessas mesmas infraestruturas, levando posteriormente a que a habitação nesses mesmos locais esteja apenas ao alcance dos mais ricos. O que fizeram os proprietários para que isso acontecesse? Tiveram apenas a “sorte” de alguém decidir construir um parque urbano ao lado dos seus bens imóveis!
Por fim deixo aqui uma reflexão, ao passar estes dias no novo troço da VIA B recém inaugurado, pensei, além dos proprietários terem sido expropriados sendo-lhes pagas (na grande maioria) indemnizações com base numa norma do Código das Expropriações que permite que um terreno agrícola seja indemnizado pelo índice médio de construção da envolvente (indo contra o princípio da justa indemnização prevista no artigo 23.º desse mesmo código), ainda ficaram com as suas áreas sobrantes valorizadas pelo efeito da construção da nova infraestrutura, e quem com isso lucrou? A Autarquia não foi, o Estado também não, mas sei quem ficou prejudicado, os cidadãos que vão continuar a pagar caro pela habitação porque não existem terrenos a preços acessíveis.
O problema será mesmo só da falta de stock disponível?