Mais do que um dia, um compromisso utópico – Opinião de Carla Gonçalves

0
789

No próximo dia 5 de junho assinala-se o Dia Mundial do Ambiente. Esta data tem procurado lembrar-nos que os desafios ambientais não são apenas globais, mas têm expressão concreta nos territórios onde vivemos.

O que chamamos “ambiente” não é uma realidade separada da vida quotidiana. Está presente na forma como gerimos a água, o solo, a biodiversidade; como produzimos e consumimos alimentos; como nos movemos; nas paisagens que gerimos (ou abandonamos); nas relações que mantemos com os lugares. Pensar o ambiente é também pensar o ordenamento do território e as suas consequências para a qualidade de vida, a segurança e a justiça entre gerações. Essas escolhas, e omissões, não são neutras: refletem modelos de desenvolvimento, prioridades políticas e formas, individuais e comunitárias, de estar no mundo.

A resposta não pode ser apenas política, científica, técnica ou individual. Exige visões de futuro construídas com base na ciência, na participação cívica e numa ação política coerente, criadas a partir dos territórios que habitamos. Precisamos de utopias mobilizadoras, enraizadas na realidade dos lugares, guiadas pelo conhecimento, pela justiça e pelo cuidado.

É neste contexto que se destaca o papel do Centro do Clima da Póvoa de Varzim, que celebrou recentemente o seu primeiro aniversário. Esta instituição tem vindo a afirmar-se como um polo de transferência e coprodução de conhecimento científico, sensibilização e intervenção, ao serviço de uma transição ecológica e social justa e informada. Reconhece que os territórios são construídos por múltiplos saberes (científicos, locais, técnicos, afetivos) e que só com essa diversidade é possível co-construir o presente e o futuro.

Mas a transição ecológica não pode ignorar as desigualdades existentes. As alterações climáticas e a degradação ambiental afetam de forma desigual diferentes comunidades e territórios, penalizando mais quem tem menos recursos para se adaptar ou reagir. Lidar com a crise climática é também enfrentar desigualdades sociais, territoriais e geracionais. Cuidar do ambiente implica, assim, promover justiça: no acesso à energia, à água, ao solo, à informação e à participação nas decisões que moldam o futuro dos lugares.

As alterações climáticas não pedem discursos: pedem ordenamento e gestão do território, agricultura regenerativa, mobilidade mais justa, políticas públicas baseadas em dados e valores. Exigem, sobretudo, uma governança capaz de lidar com a complexidade. E pedem
continuidade: políticas, estratégias e ações de longo prazo e que consigam transformar boas intenções em mudanças estruturais nos territórios. Além da adaptação, as alterações climáticas exigem também mitigação, ou seja, a descarbonização dos nossos sistemas energéticos, de transporte e produção. Sem este compromisso, fica comprometida a possibilidade de um futuro sustentável e justo para as próximas gerações.

O Centro do Clima é mais que um projeto: é um espaço de novas formas de fazer e pensar, promovendo diálogos para construir soluções. As soluções ambientais não estão “lá fora” nem virão de cima, mas nos territórios que habitamos e reinventamos. O ambiente começa onde estamos, e o futuro justo, democrático e sustentável nascerá desses lugares onde conhecimento e cuidado se cruzam.

Carla Gonçalves, Arquiteta Paisagista e Diretora-Executiva do Centro do Clima / Póvoa em Transição – Associação pelo Clima da Póvoa de Varzim