Nunca é tarde demais para se ser autocompassivo – Opinião de Rita Santos e Mário Veloso

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O envelhecimento da população traz consigo inúmeros desafios, para os quais a sociedade contemporânea nem sempre está devidamente preparada. O avançar da idade acarreta, por si só, inúmeras alterações em diferentes domínios (físico, cognitivo,  psicológico e social, entre outros), as quais são, muitas vezes, simultâneas e que se podem converter em dificuldades acrescidas.

O processo de envelhecimento é um terreno fértil de onde brotam acontecimentos que carecem de ajustamento e adaptação. Falamos, a título de exemplo, de perda de funcionalidade, de limitações cognitivas, perdas relacionais e de progressiva dependência, porém muitos outros desafios se impõem. A solidão, a inevitabilidade da morte, a perda de capacidades, os esquecimentos (ou mesmo os processos demenciais!), os processos de institucionalização, entre outros, são alguns dos principais desafios que os idosos enfrentam actualmente e que resultam, muitas vezes, em ideias e discursos autocríticos e autodepreciativos.   A população geriátrica, de um modo geral, apresenta maior vulnerabilidade psicológica e, por conseguinte, apresenta maior risco de desenvolver sintomatologia depressiva e também de natureza ansiosa. A Organização Mundial de Saúde estima que a prevalência de depressão em mulheres entre os 55 e os 74 anos seja de 7,5% das mulheres e acima de 5,5% para os homens (DGS, 2017). Relativamente a Portugal, esta prevalência para a população mais velha aponta para taxas entre 4,4% e 18% (Gonçalves-Pereira et al., 2019).

O envelhecimento é um processo dinâmico que desafia o próprio a efetuar adaptações contínuas. Neste sentido, a autocompaixão surge como uma competência e atitude saudável de se relacionar consigo mesmo de uma forma calorosa, aceitando o próprio sofrimento sem o julgar e como parte de uma experiência comum.  Ou seja, podermos acolher o nosso sofrimento, ao invés de o evitarmos, de uma forma cuidadosa compreendendo o sofrimento como parte da condição humana e que é partilhado por todos nós. Ao contrário da vergonha, a autocompaixão envolve, então, a adoção de uma atitude de aceitação e gentileza em relação a si próprio. Não obstante, a autocompaixão envolve 3 componentes: 1) estar no momento presente para que possamos entrar em contacto com as nossas emoções e pensamentos tal como eles são; 2) humanidade comum, isto é, compreendermos que todos sofremos e por isso, estamos no mesmo barco; 3) autobondade, isto é, capacitarmo-nos de uma bondade dirigida a nós próprios.

Tal como a compaixão em relação ao outro, também a autocompaixão se assume como um elemento protetor de sintomatologia depressiva, reforçando o sentido de pertença e de conexão aos outros, diminuindo a perceção do isolamento.  Isolamento esse que é tantas vezes referido e sobretudo sentido pelos idosos.

Deste modo e como momento experiencial, talvez possamos convidar o leitor a refletir sobre algumas questões, deixando que o seu coração se abra, que fique recetivo como uma flor que se abre ao sol à medida que respira suavemente: “De que é que eu necessito verdadeiramente”? Deixe que a resposta surja como uma necessidade universal humana, como por exemplo, a necessidade de se sentir ligado aos outros, de ser amável, de ter saúde, estar sereno, de ser livre.

De seguida, reflita igualmente sobre a seguinte questão: “Se pudesse, o que é que genuinamente necessitaria de ouvir dos outros?” Podem surgir palavras como “eu amo-te”, “estou aqui para ti”, “eu acredito em ti”, “és uma boa pessoa”.

Talvez, neste momento, possa oferecer estas palavras a si próprio. Se lhe for difícil nomear as suas necessidades, alternativamente também poderá questionar-se: “Se uma pessoa de quem gosto muito estivesse a sofrer como eu, que palavras lhe poderia oferecer?” Veja se consegue oferecer-se a si próprio tais palavras de amabilidade, terminando o exercício com uma palavra de gratidão a si pela coragem de encontrar as suas respostas. Ainda, reconheçamos que as práticas de autocompaixão não cumprem o objetivo de “ficar bem”. Desse modo, estaremos sob a alçada da nossa necessidade de controlar, de querer mudar e afastar o que de negativo ou difícil de sentir está lá. Pratica-se autocompaixão porque se está mal, com a sabedoria de aceitar as circunstâncias tal como elas são.

O outono da vida é por vezes difícil de suportar, porém podemos aprender a apreciar as cores das folhas e até a forma como elas caem. O outono da vida é cheio de particularidades, mas é inevitável que ele chegue. Talvez possamos aceitá-lo tal como ele é e recorrermos ao aconchego da autocompaixão. Comecemos hoje mesmo…nunca é tarde demais para, com bondade, cuidarmos de nós.

Artigo escrito por Rita Santos e Mário Veloso, Psicólogos e Amigos da Associação de Solidariedade Social de Santa Cristina de Malta (SANCRIS).