O acordo (im)possível

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EDGAR TORRÃO

Muitas pessoas, amigos e conhecidos, procuram-me para saber o que penso sobre as indefinições partidárias e políticas que vivemos. Muitos, incrédulos, ainda mal refeitos do facto do PS ter perdido as eleições contra a coligação de direita PAF, continuam a insistir na desilusão da liderança de António Costa. Outros, menos preocupados com o partido e mais preocupados com o país, insistem em tentar obter explicações para a deriva do PS para uma espécie de Syrização, ou se quiserem, para o abandono do centro esquerda e para o (re) posicionamento na esquerda democrática mais musculada (ou radical). A todos procuro partilhar o meu ponto de vista de forma franca e leal. Reconheço que ser actualmente presidente do órgão de fiscalização económico e financeiro da Federação do Porto do PS impõe-me sempre alguma reserva de opinião de forma a que esta não contribua para o aumento das divergências dos militantes do PS. Não obstante, seguindo a linha de muitos ilustres e conhecidos líderes partidários, chegou o momento de modestamente partilhar o meu ponto de vista pessoal. É o meu ponto de vista e como tal não deve ser interpretado como um ponto de vista “oficial” ou que vincula qualquer outro membro que faz parte do órgão que presido.

O resultado das eleições legislativas foi claro. Para uma maioria (relativa) de eleitores portugueses, o projecto e programa de governo que deve liderar o país nos próximos 4 anos é aquele que foi apresentado pela coligação PAF. O facto de este projecto não ter obtido uma maioria clara dos portugueses não retira nenhuma legitimidade para o Presidente da República indigitar como Primeiro Ministro o líder da coligação, Pedro Passos Coelho. Considero abusivo interpretar que é possível uma outra forma de governo (de maioria de esquerda) apenas porque o conjunto dos partidos de esquerda obtiveram no seu conjunto mais votos que a PAF. Na realidade, se os partidos de esquerda defendessem um programa e projecto comum para o país deveriam de o submeter ao voto dos portugueses. Um acordo pós eleitoral baseado somente num projecto de poder pessoal ou partidário é subverter as regras do jogo democrático e é submeter à obsessão do poder os princípios não sufragados em maioria pelos portugueses.

Na realidade, quando o PS se apresentou a votos nunca referiu que procuraria fazer uma frente comum de governo com o Bloco de Esquerda e com o PCP. Há quem argumente que nunca disse que o não faria, como forma de legitimar essa possibilidade, no entanto, considero que tal afirmação não passa de uma tentativa de mascarar o óbvio. No panorama político actual, não existiam condições, à data das eleições, para o PS se quer considerar um entendimento comum com o PCP e com o BE que fosse benéfico para Portugal. E continuam a não existir. Na génese desses partidos há entendimentos diferentes da democracia, da coisa pública e até dos objectivos principais de um governo. Como não gosto de falar sem evidências de matéria e de facto, relembro de seguida algumas posições partidárias incompatíveis com o PS:

– O PCP tem como objectivos supremos a construção em Portugal do socialismo e do comunismo. (art.º 5º dos estatutos do PCP).

  • De acordo com o PCP a luta contra a adesão de Portugal à CEE, foi justa (programa do PCP).

– o PCP defende a planificação democrática da economia e a participação efectiva dos trabalhadores na gestão das empresas públicas e de capitais públicos (programa do PCP).

  • O PCP no seu programa refere que o Sector Empresarial do Estado deve abranger empresas nacionalizadas, públicas, de capitais públicos designadamente a banca e seguros e outros sectores básicos e estratégicos da economia (nomeadamente na energia, na indústria, nos transportes, nas comunicações) (programa do PCP).
  • Para o PCP a dissolução da NATO é objectivo crucial para a soberania nacional (programa do PCP).

E para terminar este resumo breve, deixo uma citação do programa do PCP:

“A acção de vanguarda da classe operária, a luta dos trabalhadores e das massas populares, a política assumida pelas instituições e pelo Estado, a maior ou menor democraticidade das eleições, a evolução da estrutura social e a arrumação das forças de classe, a conjuntura internacional, a capacidade do Partido para ganhar as massas para o seu Programa, são elementos fundamentais que determinarão no concreto o processo de transformação socialista da sociedade.”.

Desculpem mas não consigo ficar indiferente e tenho de publicamente rejeitar que o PS estabeleça um acordo (a que preço?) com um partido que pretende a transformação socialista (marxista) da sociedade.

Já o BE alinha igualmente pela propriedade estatal da banca pois “é́ indispensável̀ à garantia de orientação para o interesse público”. Acresce que o BE na sua moção política aprovada em Convenção, afirma claramente que “os setores que se aproximam do Partido Socialista e com ele pretendem governar abdicam de responder ao principal desafio colocado ao país: desobedecer às imposições da UE como condição para cumprir qualquer objetivo da esquerda em Portugal.”.

Um acordo possível entre o PS, o BE e o PCP seria um acordo impossível para o país.