O futebol é que é!…

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Lá dizia o nosso épico no seu Lusíadas, quando narra a viagem em que Vasco da Gama descobre o caminho marítimo para a Índia, referindo-se à superioridade dos feitos portugueses sobre todos os outros cantados na Antiguidade: “Cesse tudo que a Musa antiga canta / Que outro valor mais alto se alevanta”. Que me desculpe o meu homónimo Camões, mas não resisto trazer a lume esta estrofe para falar do mundo do futebol onde os portugueses descobriram um caminho terrestre e aéreo direto para a glória. Para não se recuar ao passado com grandes feitos e caminhos desbravados, veja-se o exemplo do atual Campeonato do Mundo.

A euforia estampou-se de tal forma na gente lusitana que “cessou tudo” para “alevantar um poder mais alto”, pintando o país com garridas cores do vermelho de sangue do sofrimento com o verde dos relvados da esperança para, em conjunto, ligados pela esfera armilar simbolizando a bola futebolística, retratarem toda a fé ardente de um dia Portugal poder cantar vitória ao fim de uma longa viagem por terras escaldantes e endinheiradas do Qatar (com Q ou C tanto vale).

Haverá força mais aglutinante do que aquela que tem levado a “fazer feriados” a quem trabalha ao meio da semana, ou elevado o nome de Portugal através dos seus nativos, sem escolha de idades ou condições sociais, exteriorizando todo o acrisolado patriotismo? Quem os faz cantar em coro, com toda a devoção, o Hino Nacional, quantas vezes de mistura com uma lágrima no canto do olho, como aconteceu recentemente à figura número um da “Seleção de Todos Nós”? Quem os faz gritar com toda a força dos pulmões pelas armas para marcharem contra quantos canhões aparecerem pela frente simbolizados nos adversários? Tudo em nome de lutar pela Pátria. Quem os faz empunhar bandeiras, bandeirinhas e bandeirolas verde/vermelhas por essas terras além, de caras pintadas e vestindo a rigor, não só dentro dos domínios portugueses como fora das fronteiras, e mais notável ainda em paragens onde o futebol passou a ser uma montra pejada de riqueza, embora essa imponência não consiga encobrir de vez as contrariedades dos direitos sociais que se vive por essas paragens, tão criticadas por quem tem metido a língua no saco, e agora, com as costas forradas, lá dão as suas opiniões de desagrado? Quem tem tanta força, como a força do futebol? Porque ele tem a mesma linguagem, seja em que parte do globo terrestre onde é praticado.

Também a linguagem do dinheiro e dos interesses de grandes e pequenos senhores, que se descobrem mais tarde ao mais cedo, como aconteceu com os alicerces deste Campeonato do Mundo que envolve milhões de divisas sejam elas de que moeda corrente for. Mas é o futebol que faz deslocar chefes de estado a um país antes criticado pelos males humanos que pratica, para assistirem a jogos onde se integram as seleções dos seus países, e outros governantes que se negam à última hora, depois de “ver a casa do vizinho a arder”, como diz o povo na sua longa sabedoria.

Não se pode duvidar da força que o futebol tem, neste caso para as pessoas nascidas ou residentes neste Portugal que mostra não ser dos pequeninos. Quantos títulos internacionais já conquistaram as suas seleções, as suas equipas, em várias modalidades? Isso leva à euforia como é a que transmite o futebol? Nem de perto nem de longe… Daí que seja intitulado como rei dos desportos – e de certas lutas de interesses. Um futebol que não tem barreiras para quem o pratica e para quem o ensina ou corrija. Veja-se o exemplo da nossa Seleção que está no Mundial, e que não difere muito das que a antecederam. Prova à evidência que de facto Portugal sempre foi um país de emigrantes. Dos 26 jogadores escolhidos pelo seu Mestre, só 7 estão a representar clubes portugueses: três no FC Porto, outros três no Benfica e um no Sporting de Braga. Os outros 19 nossos compatriotas estão espalhados por essa Europa fora, com maior quantidade na Inglaterra que até é o país-pai do futebol e que deixa bem espalhada a sua linguagem nos mais variados termos futebolísticos, incluído o próprio nome-patrono. Nessa nação são 10 os jogadores da atual seleção portuguesa que defendem as cores de 4 clubes: Wolves (3), Manchester United (3), Manchester City (3) e Fulhan (1). Segue-se a França com 3 no Paris SG, Itália com 2 (Roma e Milan), Espanha também com 2 (Bétis e Atlético de Madrid), número igual a Alemanha (B. Dortmund e Leipzig). E quantos mais que andam lá por fora e podiam representar o seu país, mas não há lugar para mais do que a conta oficial. Sem esquecer os que sem arte e peito para internacionais deambulam por essas terras estrangeiras além. Sem esquecer os treinadores de alta e baixa competição.

Este país de marinheiros sempre foi fértil na “exportação” de emigrantes, nos mais variados campos de ação e no futebol em particular. Mas também se tornou num manancial na recolha de estrangeiros para várias atividades, laborais… e não só. E no caso em questão em jogadores oriundos dos mais vários países do planeta, com especial incidência no Brasil que distribui números infinitos por vários clubes de todas as dimensões, e até dá internacionais a quem optou pela dupla nacionalidade, com o exemplo de dois na atualidade. Quem percorrer as estatísticas futebolistas portuguesas, depara que nos plantéis, por norma constituídos por 26 jogadores, só cerca de metade é que são portugueses, como temos exemplos aqui à porta, com o Varzim e o Rio Ave, de competições distantes, mas praticamente iguais no recrutamento de jogadores de outras paragens estrangeiras. Dos 26 do clube poveiro, 18 são portugueses, 3 brasileiros, 2 colombianos e os outros 3 dividem-se por naturais da Nigéria, Espanha e Guiné-Bissau. O clube vilacondense entre os 30 escolhidos 13 são portugueses, 7 brasileiros, 4 ganeses, 2 croatas e os restantes 4 pertencem à França, Colômbia, Espanha e Grécia. Como se vê, uma amálgama de nações que o futebol tem o condão de reunir.

Tudo isto e muito mais mostra à evidência a força que o futebol tem para os seres humanos. Envolvendo euforias com tristezas, exteriorizando comportamentos clubistas de grande fervor com outros onde os excessos motivam fortes divisões com cenas violentas de permeio que até servem de manancial financeiro para as entidades que governam ao aplicar multas aos clubes que, somadas no final de cada época, servem de forte alicerce para os avultados saldos positivos das contas bancárias. Lá dizia um velho amigo que desapareceu do reino terrestre há longos anos: “Da bolsa do meu compadre dei uma grande rosca ao meu afilhado”.

E basta falar tanto de futebol. Pelo menos por agora, pois não falta, neste país à beira-mar plantado, quem esteja ansioso por dar largas à sua alegria, lá para meados de dezembro, com o Natal à porta (mais concretamente o dia 18), se Portugal conseguir juntar o tão ambicionado título de campeão do Mundo ao de campeão da Europa que faz parte do espólio da Federação Portuguesa de Portugal. O engenheiro que desenhar esse feito notável até pode ser o mesmo. Mas de santo só tem o nome, porque o milagre poderá ser obtido por outros Deuses mais ou menos envolvidos de fama internacional. Esperemos. “Há mais marés do que marinheiros”, não é verdade?