Quem cuida de quem cuida? – Opinião de Sara Catarino Costa

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Entre avanços legais e apoios insuficientes, os cuidadores informais continuam a carregar, quase sozinhos, o peso do envelhecimento do país.

Portugal envelhece rapidamente e, com isso, cresce também a necessidade de cuidados prolongados a pessoas em situação de dependência. Neste contexto destaca-se a figura jurídica do cuidador informal, que tem vindo a evoluir nos últimos anos, acompanhando, em parte, as necessidades das famílias e das exigências de uma população, como sabemos, bastante envelhecida, altamente vulnerável ao isolamento social, à violência e ao abandono.

O Cuidador Informal surge no nosso ordenamento jurídico como a pessoa que presta cuidados regulares a uma pessoa em situação de dependência, sendo uma figura reconhecida na lei portuguesa pela Lei n.º 100/2019. Esta Lei reconhece finalmente que o cuidador não é um papel exclusivo dos familiares, adequando-se mais à realidade atual em que, muitas vezes, quem assume essa responsabilidade não são, efetivamente, familiares. Assim, também quem não tem laços sanguíneos com o idoso dependente, por exemplo, vizinhos, amigos ou pessoas próximas, que assumem esta responsabilidade por laços afetivos ou morais, pode ser reconhecido como cuidador informal, quer principal, quer não principal. Na realidade, ser cuidador informal trata-se de um amor traduzido em horas de vigília, em refeições preparadas com paciência, em mãos que levantam corpos cansados e em olhos que vigiam noites intermináveis.

Apesar dos recentes avanços legislativos, a verdade é que a proteção do cuidador informal continua (muito) limitada. A lei prevê um complemento financeiro, formação gratuita, apoio psicológico e direito a descanso, mas todos estes direitos encontram barreiras práticas: valores manifestamente insuficientes, escassez de formação, apoio psicológico limitado e uma rede de apoio incapaz de assegurar períodos de descanso. A realidade é que muitos cuidadores sacrificam a sua carreira profissional e a sua saúde para viverem sob um manto de invisibilidade e sobrecarga que, inevitavelmente, coloca em risco também o bem-estar da própria pessoa idosa.

Valorizar e proteger o cuidador informal não é apenas uma medida de política social, é uma exigência de dignidade humana. Cabe ao Estado reforçar o complemento financeiro, contar o tempo de cuidado para efeitos de reforma, simplificar a burocracia e criar uma rede de apoio efetiva. Ignorar esta realidade é perpetuar o risco de maus-tratos, negligência e solidão na velhice. E numa sociedade envelhecida, todos nós podemos, um dia, ser cuidadores — ou precisar de cuidados. O modo como hoje protegemos quem cuida dirá muito sobre os valores que queremos projetar para o futuro.

Mostra-se fundamental que a comunidade, os profissionais de saúde e os decisores políticos assumam também como prioridade o acompanhamento jurídico, psicológico e social dos cuidadores informais. O futuro que projetamos será tanto mais humano quanto mais soubermos apoiar aqueles que, no presente, vivem de forma silenciosa a maior expressão de solidariedade.

É imperativo valorizar os cuidadores informais, sendo um passo vital para o combate efetivo à violência e ao estigma sobre a dependência, promovendo o verdadeiro envelhecimento digno porque valorizar o cuidador é, em última análise, valorizar a própria vida e reconhecer que a dignidade humana se constrói também no cuidado invisível do        dia a dia.

Artigo escrito por Sara Catarino Costa, advogada e amiga da Associação de Solidariedade Social de Santa Cristina de Malta (SANCRIS).