É inquestionável e incontornável que a Póvoa de Varzim, os poveiros, são gente que nutre especial carinho pelas Tradições. Um Povo sem Memória está condenado! Daí as incontáveis recriações ligadas aos usos e costumes a que dá vida, aliás, como ainda há poucos dias aconteceu nas imediações da Igreja da Lapa, ou o carinho com a manutenção da Lancha Poveira, a alegria do Anjo, a romaria à Senhora da Saúde, a subida ao Pau no Castelo, os cortejos nas freguesias, o Festival Internacional de Música, as Correntes de Escrita, as inúmeras Procissões, Festivais de Folclore e, naturalmente, a sua temporada tauromáquica. A Praça de Touros da Póvoa, que foi uma reivindicação dos poveiros, não imposição de fora. A recente decisão anunciada pela Câmara Municipal em tornar a Póvoa de Varzim, concelho anti-taurino, passe a surpresa, parece-nos uma decisão impensada e extemporânea. A Póvoa, terra gentil, bairrista, hospitaleira, que nunca foi anti-nada.
Impensada, porque não reflete o sentir – a até hoje, nunca foi apresentado nenhum trabalho sério, honesto e credível, que tal demonstrasse – dos poveiros, de todos os que vivem e trabalham na Póvoa.
Impensada ainda, porque a temporada tauromáquica na Póvoa, com as transmissões televisivas, é um veículo de publicidade do Concelho a nível planetário, directa ou indirectamente. Factor de aproximação e estreitamento de laços com as Comunidades Poveiras pelo mundo.
Impensada ainda, porque não honrou a palavra dada.
Extemporânea, porque não honrando a palavra dada, é anunciada como cedência a uma falsa condolência com o possível mau-estar dado a um grupo de animais, os toiros bravos, uma espécie protegida por muitos documentos legais, regulamentares, científicos e culturais.
Extemporânea ainda, porque carecendo de um estudo social onde a sociedade poveira livremente e com seriedade pudesse dar a sua opinião, devia ter sido precedida de uma alargado debate, em todas as suas áreas, com todos os seus interessados, não escondendo que o que está aqui em causa, não é o bem-estar, ou o mal-estar animal. A área onde se inscreve a Praça de Touros é apetecível.
A Póvoa de Varzim, mesmo nas tardes, ou noites, de má disposição de S. Pedro, sempre foi porto de abrigo e acolhimento de uns milhares de visitantes, que por aqui aportam, para ver a Festas dos Toiros. Que o digam os hotéis, restaurantes, cafés e similares. Pessoas, aficcionados, que de toda a parte, do Norte e do Sul, e até de Espanha, têm a dita ‘Cidade da Cultura e do lazer’ como local anual de obrigatória peregrinação. Uma Tradição como tantas outras que não nasceu de um capricho pessoal. As touradas, e principalmente a construção de uma Praça de Touros na Póvoa, foi uma pensada e reclamada pelos Poveiros, reclamação e entusiasmo que levaram a Câmara Municipal a inclui-la nas contrapartidas da concessão de jogo. Foi um instrumento de viragem na excelência de oferta na captação de turistas, tanto nacionais como internacionais. Longe iam então já os anos de festejos com toiros na Fortaleza (Castelo), e no Campo das Cobras, actual Escola dos Sininhos, de onde saiu para o Velódromo, antigo Estádio Gomes Amorim, actuais Piscinas. Daí o registo de como os então responsáveis Camarários se empenharam em criar todas as condições para tornar a Póvoa destino turístico, moderno, diversificado. Aberto a tudo e a todos.
Para quem gosta de ‘recriação’ de Tradições, como vem acontecendo pelos mais diferentes motivos e sobre as mais díspares actividades e ocasiões na comunidade poveira, a realização de Corridas de Toiros na Póvoa, com uma transmissão em directo pela Televisão, deve, ou deveria, merecer uma atenção cuidadosa. Enquanto uns unham-se e desunham-se, gastando largos milhares de Euros para obter os favores de quem lhes divulgue a imagem, parece que na Póvoa, isso não é motivo de preocupação. Não creio que se vá voltar aos tempos em que para entrar na cidade se tenha de passar pelo ‘polícias da tabela’, mas…
Mas parece que a moda dita agora uma “Nova Póvoa”, sem Memória. Docemente, suavemente, paulatinamente, a vontade da maioria vai sendo moldada ao gosto ou desgosto da minoria. É a moda em todo o seu esplendor!
Com a decisão de tornar a Póvoa cidade anti-taurina, a ir por diante, a ser consentida pela Assembleia Municipal, vence o discurso do ódio. – Como devem andar preocupados alguns ilustres poveiros!
Agora são as Corridas de Toiros, amanhã será o Clube de Tiro, depois o Clube de Caçadores, e por ordem natural, as carroças típicas de Aver-o-Mar, os pombos-correios, os passarinhos. Depois será a vez das corridas de Galgos, os frangos caseiros e, quem sabe, e porque não, as pescas, as flores, as hortaliças, já que estão em jogo os peixinhos, e a Mãe natureza. Raça Pura assim o exige.
Não! Não é para rir. É de ficar preocupado. Uma preocupação que não deve ser desviada para longe. Eles andam aí. Estão aqui. O senhor Trump, o senhor Putin, ou o senhor da Coreia de Norte, perante este tipo de gente que em nome da Democracia, ou por via dela, reclamando o direito à diferença, e por via disso se arrogam o ‘sagrado direito’ de impor os seus gostos e desgostos, tornam aqueles ‘monstros’, simpáticos benfeitores da humanidade. Uns gostam de livros, outros de futebol, uns tantos de procissões, os que gostam de touradas, desde o início do século passado, com ligeiro intervalo, sempre encontraram na temporada tauromáquica da Praça de Touros da Póvoa de Varzim, uma ‘obrigação’ agradável. E como gostos não se discutem, nunca os aficcionados, gente responsável, de bem, com princípios e valores, ousaram pedir a ‘morte aos que não gostam dos toiros’, dos que gostam de futebol, ténis, matraquilhos, corridas de galgos, livros ou recitar poemas ou declamar coisas inteligíveis.
Numa sociedade livre, democrática, plural, os gostos ou desgostos, culturas, artes ou desportos, se são um Direito, são-no para todos. Não só para alguns. E muito menos para minorias sociais. É uma regra, e um Direito/Dever de viver em Democracia. O primado da Lei é para Todos. E os gostos, ou desgostos, das Minorias, se querem ver e ter o Direito de ser respeitado, têm o Dever de saber respeitar. Podem enganar uma vez, duas até, mas não haverá terceira. Parece que sempre foi assim na Póvoa de Varzim, cidade onde desde de criança assisti a corridas de toiros, vivi, estudei, cresci e trabalhei. Se não morro de amores pelo futebol, por nunca nos meios que frequento ouvi pedir que acabassem com o despejar de dinheiros Camarários para gáudio de uns tantos. A violência que me afastou, e tem afastado muitos portugueses de certos eventos e locais desportivos, por muito que custe assistir a tais desmandos, que nunca o são por geração espontânea, são-no quase sempre por incitamento de responsáveis com nome e rosto, não é motivo para pedir a sua ‘morte’, nem os apelidar de ‘assassinos’, nem sequer pedir que acabem com a sua exibição em espectáculos pela televisão. E muito menos que sejam transmitidos em hora tardia da noite, e com bolinha vermelha a suscitar ‘coisas de pecado’.
Póvoa-anti… nunca, nem contra quem nos quer mal. Uma questão de civilização.
PS:- Um oportuno esclarecimento. As corridas de toiros na Póvoa nunca foram gratuitas. Se a partir de 2017 o aluguer da praça passou a ter um valor exigível em numerário, elevado, discutível diga-se, desde que o Dr. José Macedo Vieira convidou o saudoso empresário, Senhor Manuel Gonçalves para remontar a temporada tauromáquica na Catedral do Toureio do Norte, a Câmara Municipal da Póvoa de Varzim, sempre recebeu em espécie, por corrida, mais de cinco mil euros. Sejamos claros.