Quero acreditar…

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JOSÉ ANDRADE

Sim, quero acreditar que vivo num país de gente com memória. Uma memória traduzida em história, com estórias reais, factuais, genuínas. Uma memória que não seja selectiva, para esconder pecados antigos, pretexto para reescrever a vidas, limpar cadastros, torne o vilão pessoa respeitável. Um país que não negue as suas raízes, que perpetue a verdade e a realidade passada, e do presente, não se envergonhe no futuro. Um país de, e com raízes, com tudo o que de bom e detestável o bicho homem é capaz de fazer. Um país, um povo, uma terra, com memória, com gratidão, reconhecida por mérito e exemplo.

Não, não é da natureza humana a canalhice, o esquecimento, a ingratidão. Não, isso não é da essência da natureza humana! Quanto muito, uma excrescência. Da natureza humana pode ser o erro, a diferença de opinião, o modo distinto de entender o ‘outro’. Coisa diferente, é a má formação, a ausência de escrupulos, a indignidade, a falta de memória familiar, colectiva, social. Os menos dados às coisas do espírito, dirão que ‘a ignorância é uma bênção’. Mas não podemos ignorar que vivemos num tempo em que  se dá mais valor aos animais que aos humanos. – Animais que, coitados, têm de suportar, sem apelo, o castigo das ‘boas almas’, que inventam laços familiares com os ditos cujos, num relacionamento fraterno estupidificante. – Dúvidas? Transbordam os testemunhos públicos que não poupam o comum dos mortais de ver, ouvir. As excepções, poucas, ficam de fora das exibições mundanas. Daí que ainda quero acreditar que as cerimónias de homenagem e de reconhecimento, que por estes dias na Póvoa aconteceram, foram um sinal de que nem tudo está perdido.

E meu primeiro registo, vai para a evocação do Senhor Doutor Luís Almeida Rainha. Poveiro ilustre, digno, e que sempre dignificou a Póvoa, o acto simbólico, que contou com testemunhos vivos, foi saudável iniciativa da Fundação que legou à Póvoa, a que se juntou a Câmara Municipal. Necessário e justo reconhecimento, foi uma prova de ainda há espaço para celebrar a memória. Se a Junta de Freguesia, na louvável iniciativa de Daniel Bernardo, souberam reconhecer este ilustre e honrado cidadão da Póvoa em vida, fica a expectativa agora de que a Câmara Municipal, complete o reconhecimento, dando o nome de tão ilustre poveiro, exemplo de cidadania, a um espaço público urbano condigno, e porque não um busto.

Um outro registo para memória, vai para a escultura em madeira de um Cristo Crucificado, oferecido pelo autor, Mestre-Entalhador Bernardo Viana, com oficina junto da Igreja da Lapa, ao novel homem da Cultura, José de Azevedo. A escultura fez despoletar, por parte da Associação Cultural, Póvoa Ontem e Hoje, no Museu da Póvoa, uma interessante e eloquente conversa,  ‘A arte do desconhecido’, que ali evocou, pela palavra de José de Azevedo, a bonita história de vida do autor do trabalho. O Cristo Crucificado, por vontade de José de Azevedo enobrece agora o espólio do Museu.

Como não há duas sem três, registo também para a memória da Cultura Popular local, a distinção da Junta de Freguesia de Aguçadoura e Navais, que agraciou três distintos conterrâneos. As homenagear os senhores, Fernando Cavalheiro Eusébio, Manuel Carvalho e José Serra Moreira, homenagear-se os Homens, evocou-se a Escrita e o Folclore. Ainda quero acreditar…