Para lidar com as crises atuais, em particular a crise climática, será que precisamos da ajuda de Deus? Argumenta-se sobre a importância de uma fé incondicional e de apelar aos valores morais. Mais do que precisar de um milagre, temos de o merecer.
Vou começar pelas más notícias e depois vamos às boas (terminando com uma excelente). Mas antes entenda-se que estou aqui a falar de Deus de uma forma ampla e não necessariamente associada a uma religião instituída. Esta crença que pertencemos a (ou somos) algo que ultrapassa os limites deste corpo-mente que habitamos, algo que está para além do tempo e do espaço, e cuja natureza é acima de tudo misteriosa (e muito reconfortante).
As más notícias é que realmente o ‘estado das coisas’ não é nada animador. A crise climática, qual febre planetária, é apenas o sintoma maior de um mal profundo, relacionado com a sobre-exploração de recursos e a perda massiva de biodiversidade. Assistimos ao princípio do fim de uma era dourada da Humanidade, baseada no consumo (desenfreado) de combustíveis fósseis, que nos permitiu tudo e mais alguma coisa. Nada dura para sempre, e muito menos recursos relativamente escassos num planeta finito repleto de seres humanos altamente criativos e ambiciosos. Chegou o momento de pagar a conta.
Um dos sinais do princípio do fim é a descrença crescente na política, de todos os quadrantes, pelo que não soube antecipar e cuidar. O outro são as guerras, ‘inevitáveis’ quando os recursos começam a escassear. Quanto ao colapso climático e ecológico, se alguém não vê os sinais… bem, anda muito distraído, para dizer o menos. Precisamos de um milagre para nos salvar.
Vamos às boas notícias. Temos sempre Deus e a religião. É que a questão há muito deixou de ser científica ou tecnológica, porque as alternativas ao nosso modelo de desenvolvimento foram todas estudadas e apresentadas. Neste momento vivemos acima de tudo um dilema moral é ético, e é neste campo que a religião pode ajudar. Como vamos distribuir o (pouco) que sobra dos recursos fósseis que ainda podemos usar sem perder a estabilidade climática de forma irreversível? Vamos continuar a deixar que os mais vulneráveis sofram mais com as alterações climáticas, quando pouco ou nada contribuíram para elas? E as próximas gerações? E todas as outras espécies com que partilhamos a Casa Comum? A crença num Deus maior pode ajudar a encontrar as respostas certas.
O segundo argumento para a necessidade da religião é que precisamos de um ‘exército’ de gente de boa vontade. E se a religião já mostrou ao longo da história que pode ser capaz do pior, também é verdade que possui estruturas organizadas dedicadas ao cuidar do próximo. Estruturas com amplos recursos, resiliência comprovada e enorme influência no Mundo. Dos escuteiros à Universidade Católica.
O terceiro argumento é o mais importante. Em tempos de descrédito crescente no futuro, de sentimentos de culpa, medo e impotência, Deus já provou por infinitas vezes ser uma companhia valiosa para seguir em frente. Para combater o desespero e o sentimento de injustiça, precisamos urgentemente de fé incondicional (na Humanidade), esperança num futuro melhor e muito perdão.
O Papa Francisco sabe tudo isto muito bem. E por isso lançou recentemente nova encíclica dedicada ao Clima, em que arrasa com os argumentos dos negacionistas, denuncia a irresponsabilidade das nossas elites políticas e apela à mobilização. Para que jovens ativistas radicais não tenham de preencher o “vazio da sociedade inteira que deveria exercer uma sã pressão, pois cabe a cada família pensar que está em jogo o futuro dos seus filhos” (como se pode ler na exortação apostólica).
Quer se acredite em Deus ou não, a ação climática é um imperativo moral que não pode deixar ninguém indiferente. E pode bem abrir as portas para um mundo novo e melhor que o atual. Um mundo justamente de responsabilidade política, de mobilização comunitária e em que “todos, todos, todos” somos necessários. O Centro do Clima está aqui para ajudar.
Quanto à excelente notícia que prometi, é que os milagres acontecem (e eu já assisti a muitos quando as pessoas se juntam por uma causa comum). Em particular quando os merecemos. Como nos dizia o Viriato Soromenho-Marques, ilustre filósofo e professor de ética, “quem quiser alimentar a esperança num futuro de justiça entre os humanos e de reconciliação destes com a nossa miraculosa Casa terrestre, azul e verde, não pode ficar sentado à espera que ele lhe seja oferecido gratuitamente. Merecer o futuro é hoje o maior imperativo, intelectual, moral e prático, que a todos deverá mobilizar. Nos pensamentos e nas ações. Todos os dias”. Ámen.
Opinião Pedro Macedo – ‘Crónicas do Além’