Sina peregrinante

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Tem sido um autêntico peregrinar do Varzim neste dealbar de nova época futebolística, por causa do arrelvamento total do Estádio e das remodelações de que têm sido alvo as instalações. Tudo reunido tem levado a equipa a andar de casa às costas como o caracol, “da casa de Anás para a casa de Caifás”, como rezam as sagradas escrituras em relação aos sofrimentos de Cristo. Para já não tem causado muita mossa à carreira da equipa, pois ainda não sofreu qualquer derrota, quer na Liga 3, quer na Taça de Portugal.

Tudo serve para ser utilizado pelas estruturas técnicas do Varzim, desde os treinos diários nos terrenos do Estádio Municipal (e que grande ajuda tem sido dada nesse sentido pelo município poveiro) e Laúndos, aos jogos oficiais em terras vizinhas, principalmente em Fão, no complexo desportivo pertença do Sporting de Braga, passando pelo Municipal de Barcelos e agora pelo Municipal da Maia, para receber um adversário de escalão superior, o Feirense, para a Taça de Portugal, no primeiro dia do mês de Outubro. Sempre com o acompanhamento de grande número de sócios e adeptos, numa demonstração de autêntica fé clubista que mexe bem nos seus bolsos. Vamos a ver até quando durará este peregrinar. As previsões apontam para o próximo mês de Outubro, que pode coincidir com a recepção ao Montalegre, na 6.ª jornada da Liga 3, agendada para 23 desse mês. Esperemos.

Que mundo de saltos e confusões!…

De resto as peregrinações do Varzim em termos de utilização de recintos desportivos, tem sido a sua triste sina, pois já vêm dos tempos em que o clube nasceu em 1915. Segundo reza a história, andou a jogar na Quinta dos Moscões, anexo ao Velódromo, mais tarde transformado no Estádio Gomes de Amorim, onde actualmente estão construídas as piscinas municipais; dali, um salto para a Poça da Barca, à entrada do concelho vilacondense; mais tarde novo salto para o Largo Cego do Maio, onde hoje se ergue o Casino e Passeio Alegre; pouco tempo depois e sempre a desbravar terrenos baldios a norte desta então vila, foi construído um campo de jogos fronteiro à Basílica do Coração de Jesus, mais tarde a albergar as instalações da fábrica Quintas & Quintas e que deu na actual urbanização e parque de estacionamento. (Ainda me lembro de ver o emblema do Varzim feito em pedra, ou cimento, a encimar o que fora portão de acesso ao já demolido campo de jogos, junto à, mais tarde, adega do Bandeira, entretanto demolida, mais concretamente onde agora está instalada uma estação de serviço).

Até que em finais de 1928 foi pensada a aquisição de terrenos, no Alto Martim Vaz, mais concretamente no lugar de Bozas, pertencentes à Família Rosmaninho. O pior é que custavam uma pipa de massa e o clube não tinha dinheiro nem para fazer cantar um cego. Ontem como hoje… A ideia luminosa acendeu-se com a emissão de obrigações de 100 escudos para perfazer o montante de 50 mil escudos destinados a reforçar parte do empréstimo contraído para o efeito. Se essas obrigações foram ou não liquidadas perante os subscritores não há notícias disso. Talvez fossem parar ao ‘rol dos esquecidos’, como acontecera a muitos mais ao longo dos tempos.

Seria a melhor forma para evitar a extinção do clube, sentenciada pela Associação de Futebol do Porto (por não ter campo próprio), sem necessidade de recorrer não só às boas vontades do Fluvial Vilacondense para utilizar o seu campo na margem sul do Rio Ave, mas principalmente ao vizinho Estádio Gomes de Amorim pertencente aos amigos do “inimigo” de então, Sporting da Póvoa, fugindo assim à pressão de fusões e outas confusões que ainda duraram uns anitos, já com outros intérpretes de permeio. Depois da aquisição dos terrenos, foi implantado o Campo do Varzim, como inicialmente foi denominado, com o início dos trabalhos registados em 1931 e oficializados com escritura pública de Setembro de 1932.

Começou o sonho a iniciar o caminho da realidade. (Ainda me lembro da primeira bancada, apenas meia dúzia de degraus, ao lado dos balneários situados no topo sul, junto à Avenida dos Banhos). E começou também o peregrinar do clube em trabalhos de remodelações e transformações. Nunca mais pararam. Foi o “arrojo” da construção da bancada central coberta em 1945; depois a sua ampliação e surgimento de camarotes em 1950, nessa altura no já pomposamente denominado Estádio do Varzim (dimensão que se pode constatar na foto anexa que assinala a festa da primeira subida aos campeonatos nacionais em 1962/63); depois a compra de terrenos (com ajuda da Câmara Municipal) para a construção do campo de treinos (1963), seguida da mais do que arrojada construção da bancada nascente e pião na cabeceira norte (com o “dedo” de Silva Pereira a ser primordial) e sementeira do relvado que viria a ser um dos mais gabados a nível nacional e até nos Brasis; e por aí fora, onde se pode incluir a construção da bancada sul e a ampliação do topo norte com cobertura (1987) e a iluminação do Estádio inaugurada em princípios de 1994.

Nunca mais acabaram as alterações. E não foram mais amplas porque com o nascimento do Desportivo da Póvoa no terreno a sul do Estádio do Varzim, reservada inicialmente a sua aquisição para mais tarde por falta de verbas, foi plantado o espaço desportivo que teve ampliações de grande vulto, ao longo dos anos, pelo chamado vizinho do lado. Mas não foi só aí que o Estádio do Varzim começou a ser espartilhado, sufocando aos poucos (é o termo).

Foi também a febre de ocasião do crescimento imobiliário que tapou a ampliação do espaço desportivo do Varzim, não só a nascente, como principalmente no lado norte onde até foi autorizada a construção de garagens viradas para a via pública (que estão lá à vista de quem quiser ver) só para que o campo de treinos não estendesse os seus braços. Perante este estado de coisas que tiveram o contributo de denominados bairristas e varzinistas e com o beneplácito autárquico de então, houve que fazer contas em relação ao Estádio do Varzim. Não só com projectos de novas bancadas centrais que nunca saíram do papel, como também de espaços para o seu desafogo.

Projeto Novo Estádio e Centro de Estágio… morre à nascença

Entretanto, veio o ano de 2002 e com ele a ambição de proporcionar maior dimensão ao património do Clube, com a compra de terrenos para a construção de um novo Estádio, acompanhado de Centro de Estágio, para os lados do Estádio Municipal e Parque da Cidade, junto à entrada para a Avenida do Mar, em terrenos paredes-meias com as freguesias de Beiriz, Amorim e Averomar, então devidamente assinalados com gigantesco e artístico painel publicitário a anunciar o futuro nascimento do novo Estádio, painel que, entretanto, fora desaparecendo, ficando a estrutura metálica para mais tarde ser ocupada por outras publicidades mais ou menos interligadas às anteriores.

Foi-se o painel e também a ilusão do novo empreendimento varzinista, embora sem morrer de vez. Em 2005 já estava implantado o negócio da aquisição dos terrenos na denominada Quinta da Silveira que conheceu bastantes entraves pelos tempos fora, começando pela falência da empresa construtora. Mas a vontade dos promotores era forte e os 54 mil metros quadrados da Quinta da Silveira foram adquiridos por dois milhões de euros, proporcionando que 80 anos depois o Varzim visse o seu património ampliado. Houve escritura pública em 2012 e até foi entregue nos Paços do Concelho, com toda a pompa e circunstância, o projeto do novo Estádio e Centro de Estágio do Varzim. Talvez esse documento esteja espalhado nos escaninhos municipais.

De permeio surgem opiniões variáveis entre forças autárquicas e varzinistas até que tudo se quedou. Não totalmente porque aparece agora um negócio diferente, com a Câmara interessada em virar o bico ao prego. Os terrenos reverteriam para o Município ampliar os seus espaços públicos junto ao Estádio Municipal, e, em contrapartida, seria feita uma remodelação total a norte da Praça de Touros, contemplando não só o Varzim, com a remodelação total do sector nascente que passaria a ser a fachada principal do Estádio, como também o vizinho Desportivo da Póvoa que sempre andou interligado ao crescimento de instalações desportivas, quais almas gémeas dos dois clubes sediados no coração na zona balnear poveira.

É com os olhos postos nesse grande empreendimento municipal, onde será sacrificada a tão emblemática Praça de Touros, que o Varzim espera dar por finda a sina da sua longa peregrinação por espaços desportivos, faltando, entretanto, saber se é por muito ou pouco tempo essa espera. Tem a palavra quem manda e comanda os destinos desta “Póvoa linda, fresca e airosa”, com entoa o Rancho Poveiro no seu vasto reportório.

Chega por hoje porque “há mais marés que marinheiros” para abordar casos relacionados com este Varzim peregrinante.