A ilusão do confinamento

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Temos a ilusão de que o vírus que assolou o mundo nas últimas semanas é democrático. Temos a ilusão de que viemos para casa e de que a vida de todos passou a ser a mesma. Temos a ilusão que o itinerário que percorremos todos os dias passou a ser igual – cama, casa de banho, cozinha e sofá.

Mas a realidade bate de frente contra a nossa ilusão. O vírus não é democrático. Ficar em casa não significa para todos o mesmo. Se escrevo este texto desde o conforto do meu sofá e da segurança da minha casa, sei que há aqueles para quem o sofá não é confortável e a casa não é segura. Aqueles para quem ficar em casa significou perder o emprego e não ter dinheiro para pôr comida na mesa. Aqueles para quem ficar em casa significou fechar portas e ter que pagar salários com os rendimentos que não têm.

Aqueles para quem ficar em casa significou deixar de poder ir à escola porque não têm internet ou televisão.

Aqueles para quem ficar em casa significou ficar fechado com um agressor.

Um confinamento em casas seguras deu-nos a ilusão de que passamos todos a viver a mesma vida, mas era mesmo uma ilusão. As desigualdades sociais ficaram mais expostas com a pandemia, como em qualquer crise. As dificuldades dos portugueses fazem-se sentir nas filas nas instituições de solidariedade social e nas filas dos centros de emprego. Fazem-se sentir na dificuldade que os empresários têm em pagar salários ao fim do mês depois de serem obrigados a fechar as portas dos seus negócios. Fazem-se sentir nas crianças que recebem exercícios por carta em casa, porque não tinham como assistir às aulas. E nos casos de violência, infelizmente, muitas vezes só se fazem sentir quando já é tarde demais.

Comecei a escrever este texto e não sei como o acabar. Não gosto de textos com verdades absolutas e soluções extraordinárias que parece que ainda ninguém se tinha lembrado. Não há verdades absolutas e provavelmente aquilo que estamos a pensar já alguém se tinha lembrado.

Quis fazer este texto em modo de reflexão e não em modo de solução. Quis fazer este texto como um apelo à sensibilidade e à solidariedade social. Porque se não sei qual é a solução, sei que, nos próximos tempos, a sensibilidade das decisões políticas e a solidariedade de todos serão decisivas na vida de tantos que, mesmo estando à nossa volta, não fazemos ideia do que significou ter que ficar fechado em casa.

Sofia Oliveira