Réquiem pela Praça de Touros

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Está consumado. Nada mais há a fazer. A emblemática Praça de Touros da Póvoa de Varzim, que chegou a ser considerada de “Monumental”, morreu ao entrar nos setenta anos de vida. Já não existe. “Deu a alma ao criador”, como se costuma dizer quando alguém deixa este mundo para sempre. Envolto de constantes avanços e recuos, o caso chegou “assanhadamente” a subir os degraus da Justiça. Já está tudo consumado, embora ainda envolvido em polémicas que levam à intimidação do uso de material bélico (neste caso “bálico”, mais concretamente balístico, segundo rezam os Dicionários), que nada resolvem e só servem para fazer “fumaça”, como em tempos recuados classificou um político da Revolução as manifestações populares mais ou menos partidárias.

Após a demolição iniciada neste recente 26 de Setembro, resta esperar pela limpeza geral do espaço, para depois começar a ser plantado o sumptuoso Multiusos Póvoa Arena, um projeto de grande porte que envolve à volta de dez milhões de euros e que teve de esperar cerca de dois anos para dar o pontapé de saída (em termos futeboleiros) devido a “tricas e futricas” onde estavam envolvidos prós e contras na opiniões de grupos opostos. Venceu o Poder Local e para que a recordação não se apagasse totalmente da memória de quem vive ou passa por esta Póvoa do Mar, a configuração do novo empreendimento relaciona-se com uma Praça de Touros, em redondo, autenticamente uma Arena que, segundo aceção da palavra, é “parte de anfiteatro ou de circo onde combatiam os gladiadores; recinto circular onde se correm touros; campo de liça; circo; lugar de discussão”.

Tudo isto pode continuar envolvido na nova Póvoa Arena: não faltam “gladiadores”, nem “liças”, nem “discussões”, nem “circo” com malabaristas e tudo, e até parece que se caminha para que haja a “mulher-canhão” tão em uso nos espetáculos circenses. Quanto a corridas de touros, tirem o cavalinho da chuva (e os touros também), porque essas acabaram de vez para estes lados do norte litoral português, como já acontecera em várias terras nortenhas… e até sulistas. Os três mil lugares distribuídos pelas bancadas (número inferior aos 5500 do extinto edifício) podem servir para o público assistir aos mais variados espetáculos de recreio ou culturais, mas quanto a touradas… “foi um ar que lhes deu”. Dizem os entendidos (e acreditamos nos técnicos) que a obra não podia igualar-se ao que acontecera no lisboeta Campo Pequeno onde, depois de grandes transformações, foram criados espaço para os mais variados espetáculos, mantendo os taurinos que deram dimensão ao local e à própria nomenclatura da capital portuguesa, porque, alega-se, o terreno poveiro não permite as perfurações necessárias para o edifício sustentar além dos projectados quatro pisos e uma cobertura total para salvaguarda das intempéries. Assim seja.

De resto, argumenta-se também, a Póvoa, verdadeiramente, não tem raízes tauromáquicas, pois tudo tem de ser importado, desde os artistas (cavaleiros, toureiros, bandarilheiros, forcados, pessoal de curros, etc.) até aos touros e cavalos, e mesmo a edição de cartazes e bilhetes de entrada vem tudo lá das bandas do Ribatejo, autêntica central da tauromaquia portuguesa com as suas amplas lezírias. “Cada terra com seu uso, cada roca com seu fuso”, lá diz o povo na sua sabedoria. Pois fiquemos com o que é genuinamente nosso, embora custe a passar da memória dos poveiros (nem todos) as Festas Bravas que tinham a Póvoa de Varzim como palco. Tudo pertence ao passado. Já “foi chão que deu uvas”.

Até arredando da linguística poveira certos hábitos, como, por exemplo, chamar Tourada a uma Praça de Touros, como está bem arreigado na linguagem da nossa gente. Já ninguém pode dizer que este ou aquele morador vive para os lados da Tourada porque… acabou, tem de se riscar isso do rol das palavras poveiras. Agora passa tudo pela Póvoa Arena. Porque aquele imóvel adquirido há quase quatro décadas pela Câmara Municipal à denominada Empresa de Recreios da Póvoa de Varzim, ligada à concessão do Casino, desapareceu, levando consigo o Museu/Biblioteca Tauromáquica, inaugurado em 1962, e os milhares de escudos (ou euros) que custaram ao município no alindamento e conservação do edifício que chegou até a ser a “menina dos olhos” dos autarcas poveiros, para servir a comunidade com um espaço próprio para festas populares, desde espetáculos musicais à exibição de Rusgas. Tudo acabou.

Em cima das suas ruínas (parece até que nem vestígios vão ficar…) será erguido um imóvel de grande porte, qual exemplo vindo da italiana Roma, da lisboeta Costa do Castelo ou, mais aqui à beira, da minhota Braga, cidade a que os poveiros estão ligados oficialmente pelos laços eclesiásticos através da Arquidiocese, já que em termos administrativos o Porto é que governa – fruto desta Póvoa estar situada na fronteira entre o Minho e o Douro Litoral. (A-propósito: há até um café no centro da cidade bracarense, especialista nas famosas e saborosas Frigideiras, onde se vê debaixo do solo, através de uma vidraça, parte das ruínas da antiga Bracara Augusta).

Agora resta esperar pelo que nos reserva, em termos físicos e não só no papel, a obra monumental da Arena e tudo o mais que a rodeia para engrandecimento da ponta norte da zona balnear poveira. A sua conclusão aponta para daqui a 18 meses. Feitas as contas, lá para Abril de 2023. Quem sabe se com uns atrasamentos (habituais) pelo meio, a inauguração possa acrescentar uns mesitos para além do tempo inicialmente estipulado e que levaria para 16 de Junho desse ano, propício a engrossar os festejos do meio século de elevação da Póvoa à cidade. Até dava um certo jeito, não acham?

Depois deste aparte, com “fofoquice” de mistura, ficamos ansiosos por ver a obra completa, com o nascimento de uma nova urbanização a norte da extinta Praça de Touros, com o Estádio do Varzim a ser contemplado com uma nova frontaria “virada a terra” (e o Desportivo também, embora ainda nada esteja divulgado, nem sequer no papel), de forma a que se teça louvaminhas a quem pôs mãos à obra (envolvida de certos “bater de pés” de responsáveis autárquicos). Neste caso, “viva o progresso!”, não aquele Sport Progresso para os lados do Ameal tripeiro, onde o Varzim conheceu tardes de glória e sofrimento, em tempos dos Campeonatos Distritais, mas sim o crescimento desta “Póvoa progressiva”, como muito bem classificaram, em tempos idos, certas mentes poveiras. E quanto ao desaparecimento da Praça de Touros, e suas origens, fica para depois a divulgação de episódios que vivi ao longo dos anos. Mas isso são outros motivos para preencher este Cantinho que me está reservado e que manterei enquanto puder e não se esgotar a paciência de quem me atura.