A frase de Martin Luther King aplica-se hoje mais do que nunca à realidade portuguesa: “O que me preocupa não é o grito dos maus. É o silêncio dos bons.”.
Ao longo dos últimos anos temos vindo a assistir a uma onda de crispação, suspeição e quase criminalização da política que não trouxe qualquer benefício. E percebemos que muito mal vão as coisas quando uma das pessoas que mais lucidamente escreveu sobre o assunto foi José Sócrates, num artigo de opinião do Expresso intitulado “Uma história de aflição” onde afirma que passamos da presunção de inocência para a presunção de culpa, quando o visado está no exercício de funções públicas.
Não está, nem pode estar em causa a politização da justiça, mas sim a cultura de suspeição permanente dos atores políticos e a deturpação da transparência em presunções de culpa. Quantas vezes não lemos nos jornais – em referência a um qualquer contrato público ou com entidades públicas – aquele tom insidioso de corrupção, de favorecimento, de tráfico de influências?
Pretendo com isto chegar ao motivo que me fez escrever este artigo: o silêncio dos bons. E pretendo fazer com exemplos.
Há um par de anos tentei organizar umas jornadas sobre a regionalização e a importância da mesma para o distrito do Porto. Decidi lançar a uma conhecida empresária o desafio de falar para os jovens, sobre as dificuldades e as vantagens de ter uma mulher num lugar de liderança de um setor estratégico, bem como da sua visão sobre o sistema centralizado. Foi no final de um bom almoço onde a própria fez uma dissertação brilhante sobre as questões que lhe coloquei. Infelizmente, terminou assim: “André, gosto muito de si e admiro a sua entrega à causa pública, mas não falo em iniciativas partidárias.”. Tentei explicar que podia e devia criticar o que entendia errado na política e nos partidos, porque o mais importante era a partilha da sua experiência e a capacidade de abrir perspetivas a jovens que demonstram interesse em contribuir para o bem público. Em vão!
Há uns tempos decidi lançar o desafio a um português com enorme reconhecimento internacional para falar numa iniciativa partidária sobre cidades e desenvolvimento sustentável. Aproveitei a oportunidade de um convívio entre amigos para lhe lançar o desafio, o qual disse lhe parecer interessante. Titubeante, aceitou. Quando formalizei o convite, diplomaticamente me respondeu que não podia aceitar ir a um evento partidário e que não tinha condições de participar em eventos organizados por partidos, da esquerda à direita. Sublinhei que apesar do evento ser partidário, o tema era suprapartidário e que interessava todo o seu saber e perspetiva, sobretudo para quadros políticos que no futuro podem fazer a diferença no ativo. Em vão!
Poderia dar mais, mas julgo que estes são suficientemente exemplificativos.
A cultura tóxica e de suspeição sobre a intervenção e atividade política que acaba por dar cada vez mais espaço ao discurso do ódio, ao discurso da inveja e a atores públicos que em nada contribuem para o essencial: a melhoria da qualidade de vida de todos nós.
Precisamos de voltar aos anos 80 e 90 onde se construiu grande parte da democracia e do desenvolvimento deste país, afastando-o da presente letargia e da perceção que o espaço político é uma doença infeciosa e altamente contagiosa. Precisamos de voltar ao período em que TODA a sociedade civil intervinha nos partidos políticos, independentemente da formação, da origem e da atividade profissional.
Nesta matéria, aponto o dedo ao inenarrável questionário de António Costa. A fim de calar os gritos dos maus, o Primeiro-Ministro cedeu e teve a brilhante ideia de fazer um questionário que afasta da atividade política qualquer pessoa com um passado profissional, além de partir dum princípio de desconfiança. Não poderia ter prestado pior serviço à democracia.
Portugal tem tribunais e magistratura independente que estão dotados dos necessários poderes de investigação para atuar em qualquer circunstância. Não faz por isso sentido que a entrada num órgão executivo seja antecipado por um purgatório de efeito útil, duvidoso. No recrutamento importa saber se a pessoa tem qualidades para a pasta que vai desempenhar, não que o andam a fazer os seus familiares. A inspiração terá vindo do vetting que o governo britânico faz aos seus membros. No entanto, esqueceram-se que o vetting deixou passar no crivo a primeira-ministra mais incompetente da história do Reino Unido – Liz Truss.
Urge que as pessoas voltem a participar na vida política, seja como militantes, cidadãos participantes, membros eleitos, ou outros. Um país mais justo e mais equitativo só se consegue fazer na diversidade e na participação de todos, não com a participação dos que mais berram.
Todos estamos convocados a participar na vida pública, sob pena de o futuro ser um deja vú de um passado negro não muito distante. E tudo começou, como sempre, pelo silêncio dos bons…
Nota: Como colaborador pontual deste periódico e varzinista convicto, não posso deixar de repudiar e reprovar a atitude de censura a este jornal (antevisão do jogo com o Vitória B). Esse tipo de atitudes recordam-nos o período negro do dirigismo português, também ele muito culpado pela violência e intoxicação do espaço mediático. A quem praticou tal ato, exige-se a decência mínima de um pedido de desculpas público.
Opinião André Tavares Moreira – ‘O Contador de Areia’.