O Dia Mundial da Voz comemora-se a 16 de abril, desde o ano 2003.
A celebração da data tem por objetivo alertar para a importância da voz e dos cuidados necessários para a preservar.
No Dia Mundial da Voz, centros hospitalares e associações promovem rastreios gratuitos e alertam a população para os cuidados a ter com a voz, prevenindo eventuais problemas na voz, através do diagnóstico precoce.
Para celebrar esta data, o MAIS/Semanário vai lançar o MAIS/pod, um podcast, que vai tratar de temas da atualidade e da sociedade. O primeiro convidado tinha de ser um poveiro e um poveiro dono de uma voz inconfundível, Pedro de Azevedo, jornalista da Rádio Renascença e presença assídua nos relatos de futebol, deixa a visão sobre o Dia da Voz e sobre usar a voz como instrumento de trabalho.
Conhecido como uma das vozes mais marcantes do mundo dos relatos de futebol, como é transmitir tantas emoções com a voz, sem muitas vezes estar a ver as reações das pessoas?
Enquadrando a pergunta sobre como transmitir emoções com a voz nos relatos de futebol, sem estar a ver as reações das pessoas, lembro que
Lasswel, o pai da comunicação já falava a meio do século do passado, na sua teoria da comunicação, provavelmente a mais estudada de sempre, de estratégias do emissor para estimular as audiências. No fundo, uma comunicação intencional que gera comportamentos. A voz é a ferramenta do relato. Mas não está sozinha…O narrador precisa de duas partes inseparáveis e que se complementam: mecânica e técnica. A parte mecânica representa o timbre da voz. É o timbre que identifica o relator. É a assinatura no audiovisual. A presença ao microfone é intuitiva e o narrador deve ter um aparelho fonador que produza um bom som. Ou seja, uma boa voz. Mas no relato de futebol, a voz precisa de se associar ao ritmo, que é um dos elementos sonoros fundamentais no desenrolar do som. E é aqui que entra a parte técnica. Resume-se à capacidade de reflexão com velocidade. Pensar bem e depressa sobre o que se quer dizer. Construções mentais organizadas e claras. Velocidade com boa articulação.
E como se transmitem as emoções com a voz? É importante posicionar a voz em diferentes momentos: alegres, tristes, acelerados, noticiosos, etc, mantendo a naturalidade. E ter a noção de que o relato é um ato de comunicação intencional porque a retórica do narrador para além de despertar a atenção, pretende cativar audiência, informar e provocar sensações. Deve dar-se ênfase aos momentos mais entusiasmantes, estabelecendo um tom mais vigoroso da voz. Dar enlevo às palavras valor das frases. E usar as inflexões para mudar o sentido da curva do ritmo da narração em momentos de obrigatória mudança de tom da narrativa ditada pelo desenrolar do jogo. A variação do ritmo caracteriza o tipo de emoção do instante do momento relatado.
Nas minhas narrações uso o chavão “pode ser” que ajuda a criar uma marca própria do estilo e identificação perante o público. Quando no jogo há um lance iminente de golo, procuro despertar a atenção com a repetição sucessiva da expressão “pode ser”. A intenção é despertar a emoção e criar expectativa na audiência.
Fale-nos sobre o poder da voz
A voz, no contexto do processo da comunicação humana, é insubstituível. Nenhuma outra forma sonora é comparável à voz, sendo a única com o privilégio de poder unir o texto à emoção.
Na rádio, o relato de futebol é dominado por uma intensidade alta. O narrador procura despertar no imaginário do ouvinte uma construção visual do jogo, estimulando a ação, o interesse, desejo e atenção da audiência. A voz tem esse poder. Na televisão, assiste-se a um modelo misto na intensidade da voz, porque o espetador tem o suporte da imagem visual.
A intensidade da voz também tem o poder de caracterizar sentimentos. Baixa intensidade corresponde a sentimentos de tranquilidade, intimidade, tristeza ou proximidade; alta intensidade está associada a alegria, raiva, agressividade e encorajamento.
Como surgiu a paixão pela rádio e pelos relatos?
Tinha oito anos quando nasceu a minha paixão pelos relatos. E tudo começou no estádio do Varzim. O meu saudoso pai era o correspondente do JN na Póvoa e aos domingos levava-me para o camarote de imprensa onde nos encontros mais importantes marcava presença um relator da Emissora Nacional que me despertava a atenção. Depois dos jogos, ouvia na rádio os comentários finais e relatos de jogos que ainda decorriam. Para mim era tudo um fascínio. E em casa, durante a semana, tratava de imitar as vozes dos narradores que ouvia na rádio, fazendo relatos com cromos de jogadores de futebol. Eram os cromos de uma coleção chamada caricaturas em 1976… Os do Varzim, eram o Fonseca, Freitas, Lima Pereira, Quim, Artur, Leopoldo, Manafá, Cacheira, Ruben, José Manuel, Montóia, Marco Aurélio, Praia e Horácio. O treinador não constava na coleção, mas sabia que era o Sr. António Teixeira.
Com o advento das rádios locais fiz o primeiro relato em outubro de 1985, um Varzim-Gil Vicente, o Varzim ganhou 3-1, para a 2ª divisão, na rádio Onda Verde e não mais parei. Nos meios de massa, comecei em 88 na TSF e no mesmo ano entrei para a RR onde relato há 36 anos, acumulando desde 2019 com as narrações na Sportv.
Uma mensagem para quem um dia quiser fazer da voz uma ferramenta de trabalho?
Ter sempre presente que a voz é o sustentáculo da expressão verbal e deve ser bem colocada e projetada.
Para quem pretender trabalhar nos meios audiovisuais deve trabalhar técnicas articuladas que irão permitir as modulações da voz. Aspetos como a descontração, entoação, inflexão, ritmo, controle da respiração, vocalização, intensidade, duração, pronúncia, dicção e atitude.
E nunca descorar os cuidados com a voz. Desde logo, beber muita água para hidratar o corpo e lubrificar as cordas vocais, dormir o suficiente e evitar fumar e gritar.