Enganaram-nos, mas vai ficar tudo bem.

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Estamos já habituados ao uso exaustivo do grande chavão da “globalização”. A atual pandemia comprovou descaradamente a ideia (para alguns fantasiosa) de que o problema de um país, seja qual for, é e deve ser encarado como um problema do mundo inteiro. A verdade é que o caos numa província chinesa qualquer pode rapidamente tornar-se no caos global. As fragilidades de uma comunidade bem distante podem rapidamente evidenciar o quão frágil o resto do mundo também é. Mas enganam-se aqueles que militam por uma globalização que se centra no falso poder de grandes instituições internacionais para depois, em alturas difíceis como esta, nos falharem redondamente. Por isso, outra verdade, inegável porque é percetível, é que perante uma ameaça global a resposta que realmente tem tido consequências não é dada pela ONU, nem pela União Europeia, mas sim pelo poder local.

Nos Estado Unidos, enquanto o presidente Trump pondera ainda sobre a necessidade de uma quarentena a nível federal, coube a Andrew Cuomo, governador de Nova Iorque, preencher o vácuo de liderança anunciando um pacote de medidas para o combate à pandemia, desde a quarentena de todos trabalhadores não essenciais até à criação de um programa para o apoio nos pagamentos de empréstimos imobiliários das famílias nova-iorquinas.

Com uma Europa dividida pela desconfiança entre Estados-membros, em Itália morrem centenas de pessoas por dia, país fortemente envelhecido e com uma elevada percentagem de população fumadora. Enquanto o governo italiano escolhia ignorar os alertas que ia recebendo num período critico para a contenção da pandemia, foram-se multiplicando nas redes sociais os apelos de lideres locais para o isolamento imediato das suas populações.

Em Portugal, quatro dias depois do nosso Presidente da República decretar Estado de Emergência, imagens de nossa marginal apinhada de gente circulavam pela internet e noticiários nacionais. O comportamento inconsciente levou o nosso presidente da Câmara a implementar medidas mais profundas às anunciadas pelo governo, controlando os acessos da cidade, encerrando a marginal e colocando a policia municipal nas vias publicas, em coordenação com a proteção civil, para garantir que a população cumpria as medidas estipuladas pelo Estado de Emergência. Dias antes o município já tinha iniciado os serviços de desinfeção diária de contentores, ecopontos e áreas propicias a grandes movimentações, como entradas de supermercados, entradas de farmácias, mercado municipal, praças e bancos de jardim. Na área socioeconómica o município suspendeu o pagamento de todo o estacionamento tarifado à superfície, isentou do pagamento de rendas todos os espaços concessionados ao município, reforçou o Fundo Local de Emergência Social e priorizou o contacto diário com os idosos dos Centros Ocupacionais.

Com o país em fase de mitigação, as autarquias, embora na base da hierarquia politica, provam ser mais eficazes que o governo central. Por aqui, para além das medidas que enunciei, o município iniciou a criação de um Centro de Triagem para o COVID-19 no edifício do antigo armazém militar, disponibilizou um hotel para uso exclusivo do Centro Hospitalar e distribuiu 360 máscaras e 318 viseiras pelos profissionais de saúde locais. Em Lisboa o município está a montar um hospital de campanha com 500 camas. Em Cascais montou-se um centro de testes e um centro para apoio a sem-abrigo. Em Oeiras inaugurou-se dois centros municipais, um de triagem e outro de testes. Em Sintra lançou-se um pacote de medidas no valor de 7,5 milhões de euros. No Porto , mesmo antes de anunciado o Estado de Emergência, já Rui Moreira tinha lançado um conjunto de medidas “mais severas”, encerrando espaços municipais e zonas com elevada movimentação, reforçando serviços de apoio social e promovendo o teletrabalho.

Foi preciso uma crise global para percebermos (pelo menos espero eu que tenhamos percebido) de uma vez por todas que, embora as debilidades evidentes das estruturas locais (de saúde, de educação e nível administrativo), o poder local é a vanguarda do combate a esta pandemia.

Enganaram-se aqueles que vendem a ideia abstrata de que a globalização se faz concentrando poderes e mecanismos. Enganam-se aqueles que pensam que global é incompatível com local e que insistem em não perceber que a solução para os desafios globais -seja o COVID-19 agora, seja a pobreza extrema, as alterações climáticas, etc- residem no empoderamento e capacitação das estruturas locais.

Por fim, engaram-se aqueles que pensam que liderança tem alguma coisa haver com politica. Liderança não se define pela concordância ou discordância, mas sim pela confiança e eu confio no poder local porque melhor conhece as necessidades reais das nossas comunidades.

Fiquem em casa.

29 de março de 2020

GASPAR MACEDO