Sandra Amorim, investigadora e escritora, conduziu na noite de sexta-feira, uma conferência sobre a ‘Igeja de Nossa Senhora da Lapa: Um Baluarte de Fé entre a Terra e o Mar’, a qual juntou dezenas de pessoas no tempo edificado no bairro Sul da Póvoa de Varzim.
Durante uma hora, Sandra Amorim explicou ao pormenor o enquadramento histórico da construção do templo nesta zona da cidade e também a sua ligação à terra, ao mar e à comunidade.
Aqui fica um retrato sucinto da conferência: A sul da povoação da Póvoa de Varzim, na década de 70 do século XVIII iniciou-se a construção da Capela da Lapa que, balizando a entrada no porto, anuncia a chegada a terra ou a entrega ao mar.
A segunda metade de setecentos ficou marcada pelo intensificar do povoamento da orla costeira, com a crescente comunidade piscatória a instalar-se nos terrenos de areia que ladeavam a enseada; é nesta zona sul que o crescimento urbano adquire características próprias. A definição urbanística do novo bairro do litoral sujeitou-se, de forma vincadamente notória, às condições naturais e às práticas da comunidade piscatória, necessitada de ruas retilíneas, por onde pudessem os pescadores circular carregando os mastros de suas embarcações, e de casas com amplos quintais para recolher os aprestos da sua atividade e, se possível, alcançar através destes, de forma quase imediata, o areal e o mar. Foi possível, porque definido de raiz pelos poderes camarários, conceber um esboço de urbanização paralela e perpendicular à costa, a que os aforamentos deram corpo, motivando a ocupação de um espaço periférico em relação ao núcleo primitivo da povoação e ao eixo de desenvolvimento nascente-poente.
O extraordinário crescimento urbano da zona litoral sul obedeceu a uma planificação ortogonal, cuja morfologia mostra bem um intencionalismo e a existência de loteamento prévio dos terrenos de areia pertencentes ao município, seguido do processo de aforamento. Os areais foram sendo conquistados para a edificação e organizados em parcelas estreitas e fundas, que permitem a presença de duas frentes: numa, levanta-se a frontaria da casa, na outra, existe um quintal, quase sempre murado, que constituiu parte importante do conjunto habitacional, local essencial numa vivência ligada ao mar. A pré-existência dos terrenos arenosos estava presente na toponímia do local: Rua da Areia, Rua Nova da Areia e Rua Nova do Fieiro.
Um marco importante no processo de inversão de forças entre a parte alta e antiga da povoação e a zona ribeirinha ou de povoamento mais recente é a construção, a partir de 1770, da Capela da Senhora da Lapa que, balizando a entrada no porto, anuncia a chegada a terra ou a entrega ao mar. Baluarte de fé, este templo tem o simbolismo de vir confirmar e enraizar a dinâmica, de origens quinhentistas, da fixação de pescadores e sargaceiros nas dunas litorais.
A construção da capela surge da vontade e do esforço da “Confradia da Senhora da Lapa, Amparo dos Homens do Mar“, criada em 1761 (na Capela de S. Roque da Junqueira) com propósitos de proteção dos pescadores e defesa dos interesses da classe. Em 1770, a Confraria deu início ao processo que levaria à edificação de templo próprio, “no sitio da Areia, pegado ao mar, no lugar do Facho, marca da entrada da barra”. A Capela da Lapa (primitiva capela-mor) – com a sua tribuna, e com o farol da Senhora – foi prontamente benzida a 15 de agosto de 1772 e para lá foi transferida a imagem da Senhora da Lapa e a respetiva Confraria. Pelos anos de 1799-1800, e porque a capela-mor se tornou pequena para albergar os fiéis nas cerimónias litúrgicas, foi construída uma barraca de madeira para servir provisoriamente de corpo da igreja, sendo a mesma coberta com panos de velas das lanchas e só mais tarde com telha.
Apenas em 1813 se deu início às obras de pedraria do corpo da igreja e em 1825 se começou a trabalhar na torre. A edificação da nave da igreja arrastou-se por longo período de tempo e em 1837 ainda se trabalhava na torre levantada a sul, sendo que a torre norte nunca se chegou a erguer. A construção original resultou, assim, num modesto edifício, de reduzidas dimensões, que em nada corresponde à volumetria que o templo hoje apresenta, em resultado da ampliação da capela-mor e do acrescento de sacristias e outras dependências laterais.
Para além de confirmar e consolidar a dinâmica expansionista para sul, a Igreja de Nossa Senhora da Lapa era, e continua a ser, o polo religioso da população ribeirinha e um símbolo do carácter de entreajuda da comunidade piscatória. A partir do terceiro quartel da longínqua centúria de setecentos, esta comunidade passou a viver sob o domínio da protetora Capela da Senhora da Lapa que, com o seu Farol, há 250 anos se assumiu como a materialização arquitetónica da religiosidade das gentes do mar e o seu baluarte de fé.
Fotos Póvoa Ontem e Hoje