Conto-te como foi…

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Tendo a obrigação de me apresentar no dia 2 Março de manhã em Madrid, para iniciar um Mestrado em Direito Tecnológico e pretendendo aproveitar os dias de Carnaval para conhecer a minha sobrinha, não restavam muitas alternativas. Recife – Porto – Madrid em 20 horas. Sendo a IE uma escola de executivos digital, estamos nas aulas com o portátil a tirar notas, com o horário e a plataforma em tempo real. Ao início de tarde de segunda “CORONAVIRUS INFORMATION” surgiu em jeito de pop-up (janela que abre sozinha). Houve um caso de coronavírus noutro edifício da universidade, em Segovia. O edifício foi encerrado, e, no dia seguinte (terça) tivemos formação de aulas online. Seguiu-se quarta, quinta, sexta, sábado e domingo. Fizemos vida normal. Aulas das 9h às 19h e no final a confraternização para relaxar. O choque, esse, começaria na segunda (9/3)…

O número de infetados disparou. A comunidade de Madrid ordenou o encerramento dos estabelecimentos de ensino para quarta. Nós, que teríamos aulas até sexta, à boa maneira dos advogados (somos 13, de 8 países diferentes) sugerimos realizar as aulas noutro local. Quem nos lecionava as aulas era a responsável europeia de privacidade da Google e não queríamos perder a oportunidade. Assim foi!

Chegados a quarta fomos para uma sociedade de advogados, na zona financeira de Madrid. Fizemos um percurso de 30 minutos em menos de 15. Iniciámos as aulas num 10º andar, e, não havia forma de não reparar. As ruas estavam vazias, o trânsito espaçava e fluía. Algo estava a mudar, muito rápido.

Foi a meio de uma dessas aulas que com a voz embargada, o nosso colega guatemalteco pega na mochila e diz que foi um prazer enorme ter aulas connosco, mas que iria direto para o aeroporto. O Primeiro-ministro da Guatemala havia comunicado que iria impor quarentenas obrigatórias em Hospital designado pelo Governo, a quem viesse do estrangeiro. Continuámos, todo esse tempo, a discutir os direitos de autor dos programadores e os dados pessoais. Poucos minutos depois, entrou um dos responsáveis do mestrado e informa que após contatos com elementos do Governo, era falso que fossem encerrar o aeroporto e toda a área metropolitana de Madrid.

O colega italiano estava em pânico com a hipótese de nos ser aplicada a mesma terapia de choque que em Itália. Tivemos mais uma hora de aula, e, não dava para mais. Acordamos antecipar regressos. Panamá, Alemanha, Estados Unidos, Dubai, Portugal e Rússia. Era onde as nossas famílias estavam, e, a nossa casa é onde está a nossa família.

O meu voo estava previsto para domingo. Tentei antecipar. O sistema online de reservas não funcionava. Tentei ligar para a linha. Desligava por excesso de procura. Cheguei a duas conclusões: o pânico sozinho não resolve; o aeroporto era um foco de infeção, pelo que, qualquer que fosse a alteração a efetuar teria de ser próxima da hora de voo.

Quinta, já com a cidade deserta almocei com uma colega inglesa, numa esplanada. Estávamos boquiabertos e mal conseguíamos comunicar! O que acontecerá à nossa família? O que vai acontecer à economia? O que será das famílias carenciadas que não tem contrato de trabalho? O que será de nós depois disto? A desilusão tomava conta de nós… Peguei nas malas e segui para o aeroporto. Após várias tentativas de mudança em filas intermináveis, comprei outro voo e embarquei in extremis. Passei pelo controlo e vi a porta de embarque aberta. Lá em baixo, no piso das chegadas (onde sempre estão centenas de pessoas) via-se uma pessoa. Aí, caí em mim! Pela primeira vez, desde que perdi a minha avó, chorei. Recordei-me das histórias que contava do seu tempo de menina e do medo à tuberculose. Percebi que, nos próximos tempos, a nossa vida nunca mais voltará a ser a mesma!

Embarquei. Cheguei ao Porto e chamei um Uber. Pedi que ele não saísse do carro e que abrisse as janelas que eu acomodava as malas.

Cheguei ao apartamento que a minha mãe me preparou com a plena noção que teria uma quarenta de 14 dias. Sozinho! Não por mim, mas pelos meus pais e pelo meu avô.

Já cumpri 5 dias de quarentena e mais 9 se avizinham. Para já tudo ok e sem sintomas. Aproveito para trabalhar, estudar, fazer playlists no Spotify e ler alguns livros. As ferramentas tecnológicas permitem ir falando com todos os colegas e amigos que estão espalhados pelo mundo e atenuar o distanciamento social.

O desafio com que nos defrontamos só é ultrapassável com muita resiliência e espírito solidário. E essas características são imagem de marca dos Poveiros. Confio na responsabilidade de cada um, para juntos ultrapassarmos este inimigo invisível! Fiquem por casa o tempo que for necessário! Sigam as recomendações da Direção Geral de Saúde!

ANDRÉ TAVARES MOREIRA