Impacto da COVID-19 («coronavírus») na gestão dos contratos

0
829

Qual o impacto dos eventos relacionados com a COVID-19 nas relações contratuais?

Em primeiro lugar, deverá verificar se existem soluções já previstas no contrato para esse tipo de eventos: a) cláusula de força maior que abranja situações de epidemia; b) cláusula de alterações de circunstâncias; c) cláusula de suspensão ou prorrogação de prazos perante eventos não imputáveis ou não culposos, etc…

Contudo, mesmo que já existam cláusulas contratuais com soluções específicas previstas para esses eventos, é aconselhável, como em qualquer situação normal de interpretação de um contrato, verificar a validade dessas soluções perante a lei aplicável ao contrato, num cenário excecional e de emergência como o atual.

A lei aplicável determinará o regime legal a ter em conta, quer na interpretação do contrato, quer na procura de soluções legais não cobertas pelo contrato, como seja, o regime legal de alteração das circunstâncias ou impossibilidade de cumprimento.

Se eventos relacionados com a COVID-19 impedirem o cumprimento de obrigações contratuais, que direitos lhe assistem?

No caso de uma obrigação contratual se tornar definitivamente impossível de cumprir, a lei prevê a extinção legal dessa obrigação por impossibilidade, desde que devidamente provada a ligação causal entre o “evento COVID-19” e a impossibilidade de cumprir a obrigação acordada.

Já no caso de uma obrigação contratual se tornar apenas temporariamente impossível de cumprir, tratando-se apenas do adiamento do prazo para cumprimento, a lei prevê igualmente a possibilidade de desoneração do devedor das consequências do atraso da sua prestação.

No entanto, estes efeitos legais não são automáticos, dependendo da situação concreta. Além disso, carecem sempre de prova segura, pelo que se aconselha, preventivamente, a adequada documentação probatória para a eventual necessidade de invocação de uma impossibilidade objetiva de prestar ou de cumprir um contrato.

No caso da obrigação contratual se tornar impossível por causa não imputável, não há dever de INDEMNIZAR a contraparte. Porém, se já tiver recebido a prestação da contraparte (ex.: pagamento do serviço), terá de a RESTITUIR ou, caso não seja possível a restituição, COMPENSAR.

É possível alegar, para não cumprimento da obrigação, que esta se tornou excessivamente onerosa?

Em abstrato, é possível (ex.: o preço fixado para o serviço tornou- se ruinoso pelas alterações na cadeia de distribuição provocadas pela COVID-19), alegando uma alteração das circunstâncias em que as partes tomaram a decisão de contratar. Todavia, a validade dessa alegação está dependente da ponderação da concreta relevância do evento para a execução do contrato, dos riscos próprios deste, das suas estipulações concretas e da própria equidade da solução.

Qualquer solução estará sempre dependente da capacidade de prova: dos factos modificadores das circunstâncias, dos termos contratuais e, em última análise, da equidade e equilíbrio da solução.

É possível invocar factos relacionados com a COVID-19, que afetam os fornecedores, para justificar um incumprimento contratual perante terceiros?

No caso de uma obrigação contratual se tornar impossível ou excessivamente onerosa, na sequência de um incumprimento em cadeia (ex.: impossibilidade de cumprimento porque o fornecedor de matérias primas essenciais não as forneceu na sequência do encerramento administrativo da sua fábrica), a lei prevê, desde que estejam preenchidos alguns requisitos, a extinção dessa obrigação nos mesmos termos descritos acima, sendo sempre necessário provar a ligação causal em cadeia.

É possível invocar perda de interesse na prestação e resolver o contrato sem lugar a compensação?

Sim, em determinados casos, é possível (ex.: encomenda de determinado produto a uma empresa e esta invocou não conseguir entregar porque o seu fornecedor encerrou temporária ou definitivamente a sua fábrica). A perda de interesse na prestação encontra-se prevista na lei, tal como a possibilidade de resolução do contrato em consequência da mesma, sem indemnizar e podendo exigir a devolução do que já prestei. No entanto, a análise concreta do contrato e a adequada documentação dos contactos negociais entre as partes é de importância fulcral para esta conclusão, nos termos já acima adiantados.

MUITA ATENÇÃO: A impossibilidade relativa «à pessoa do devedor» só importa igualmente a extinção da obrigação contratual, se o devedor, no cumprimento desta, não puder fazer-se substituir por terceiro, por outra pessoa, quando a prestação seja fungível.

CARLOS COSTA, JOSÉ MIGUEL PINTO, JORGE ARTUR COSTA, CCIC ADVOGADOS