Os efeitos negativos desta nova doença são ainda incalculáveis, mas, se olharmos para o Ambiente, os dados são claros, estamos melhor. A redução do consumo de petróleo, aliada a redução das nossas deslocações, sejam elas por meios terrestres ou aéreos, fizeram com que os níveis de emissão de CO2 baixassem significativamente. Mas infelizmente, este impacto positivo vai ser apenas temporário, como referiu recentemente António Guterres, pois ele é apenas o reflexo da desaceleração da economia, e não de uma mudança comportamental que possa inverter definitivamente as alterações climáticas.
A imagem dos acessos vazios de várias cidades normalmente caóticas, são hoje o reflexo do confinamento, onde a grande maioria dos trabalhadores se encontra em teletrabalho, e isso leva-nos na minha opinião a duas grandes reflexões:
A primeira, sobre o futuro do teletrabalho nas empresas, sobretudo para as que sempre olharam com desconfiança para esta solução, e sobre a real necessidade de vivermos em cidades, ou se esta experiência forçada de teletrabalho nos vai fazer pensar em voltar para o interior. E a segunda, aquela que hoje me quero debruçar, uma maior consciencialização ambiental e urbanística.
Nestes dias, com mais ou menos dificuldades, temos conseguido realizar boa parte das nossas tarefas profissionais à distância, reforçando o nosso pensamento sobre a real necessidade dos nossos automóveis, sobretudo, quando os vemos guardados há semanas nas nossas garagens. Será que precisamos mesmo de um carro, ou de uma mota para as nossas tarefas diárias? Já refletimos sobre o espaço ocupado por estes, quer nas nossas casas, quer no espaço público? O que queremos enquanto cidadãos no futuro, mais espaço dedicado ao automóvel, ou mais espaço público?
Quando muitos dos Portugueses estão hoje confinados nas suas casas, muitas delas um T0 ou um T1 de 30 ou 40 m2 (reflexo de uma nova tendência imobiliária, e do aumento do valor do solo nos espaços urbanos), alguns sem sequer com acesso a uma varanda, onde a ansia de sair de casa e de usufruir do espaço exterior é maior do que nunca, traz-nos também uma outra reflexão, a necessidade de mais espaço público, um espaço urbano mais confortável, mais apelativo, mas acima de tudo uma maior consciência para um urbanismo de qualidade.
Inverter as alterações climáticas, passa também por técnicos e autarquias inverterem décadas de falta de planeamento, aproveitando uma nova geração de Planos para de uma vez por todas melhorar o ordenamento das nossas cidades, por devolver ao espaço urbano o seu ator principal, o “Homem”, o peão, e isto caros leitores, também é uma questão de saúde pública!
Mas como fazê-lo? Reduzindo a impermeabilização/ocupação do solo, reduzindo os índices de construção? Não, na minha opinião nenhuma destas medidas será suficiente, se não deixarmos de olhar para o território como “um manto de retalhos”, um mapa parcelar, mas sim pensando nele como um todo, numa lógica associativa, numa lógica em que a cada um dos proprietários de terrenos privados não são donos de uma determinada área, mas sim de uma determinada capacidade edificativa. Numa lógica em que cada vez mais o território deve ser visto por técnicos e não técnicos como um direito abstrato e não um direito real de edificar, prevendo-se como determina a Lei, mecanismos equitativos de compensação (Perequação).
Estes dias vi algumas críticas à nova estratégia urbanística da Câmara Municipal do Porto, nomeadamente o aumento de índices de construção na atual revisão do PDM, pois bem, sou totalmente a favor, desde que isso resulte numa menor ocupação do solo, desde que resulte na libertação de espaço público para o cidadão, desde que resulte na criação de mais espaços verdes, em mais equipamentos, e finalmente resulte em maior qualidade de vida.
Muitos não concordarão com esta visão, pois isso implica edifícios de maior volumetria, um retorno, dirão alguns, ao urbanismo destrutivo dos anos 80 em algumas cidades, mas porque o haveria de ser? Nenhum de nós quer voltar a esse modelo, um modelo que assentava na construção em altura, mas na maioria das vezes sem qualquer qualidade arquitetónica, sem qualquer enquadramento urbano, sem se preocupar com espaços verdes dentro da cidade, um modelo que dava mais prioridade ao automóvel do que aos cidadãos, um modelo que pouco pensava no espaço necessário para os transportes públicos, não, não queremos voltar a esse modelo!
Podemos encontrar no Porto, em Matosinhos, na Póvoa de Varzim, em Vila do Conde, entre outros concelhos, grandes parcelas de terreno com capacidade edificativa (reservas edificáveis), muitos desses terrenos poderão ser uma última oportunidade, uma oportunidade de termos mais espaços verdes, pois libertar o solo de “betão”, significa libertar espaço para o peão.
Convém reforçar que não se pretende retirar capacidade edificativa a estes solos, pois isso significaria avultadas indemnizações por parte das Autarquias (Expropriação do Plano) aos proprietários desses terrenos, pretendo sim que todos possamos refletir no futuro das nossas cidades, se pretendemos manter os atuais modelos ou se queremos por exemplo, ter nessas reservas edificáveis, prédios com maior cércea (altura) de forma a concentrar a capacidade edificativa dessas áreas em poucos edifícios, de reconhecida qualidade arquitetónica, ambientalmente responsáveis, tendo como objetivo principal libertar todo o restante espaço para áreas verdes, equipamentos, e espaço público de qualidade?
Por outro lado pergunto se bastará olhar para os terrenos ainda disponíveis nos centros urbanos, ou se devemos ir mais longe, se devemos olhar para o interior dos quarteirões, se devemos olhar para as traseiras de cada edifício existente, se devemos olhar para as centenas de quintais existentes, a maioria das vezes pequenas áreas completamente desordenadas, sem utilidade, ou sem escala suficiente para os proprietários tirarem o melhor aproveitamento ambiental ou económico dos seus bens? Fará sentido ligar todos estes “Quintais” através de mecanismos de planeamento que permitam unir todas estas pequenas parcelas numa só área, permitindo criar espaços verdes e nobres bem no centro das nossas cidades, onde as pessoas possam socializar?
As cidades na sua grande maioria “sofrem” da falta espaços verdes, sofrem da falta de espaço público, da falta de qualidade do mesmo, da falta de conforto, e a solução não pode passar apenas pelo governo central ou pelas autarquias, a solução deve sim passar por uma ampla discussão, pondo a sociedade civil no centro dessa discussão de forma a encontrar soluções conjuntas.
As Pandemias levaram na maioria dos casos a repensar as cidades, e estou certo que esta nos vai levar a várias reflexões, sendo uma delas a necessidade de usufruir do espaço exterior, a necessidade de podermos desfrutar da natureza, de podermos andar livremente nas nossas ruas, de podemos respirar ar puro, e isso talvez nos leve a uma reforçada consciencialização ambiental e a uma nova forma de olhar para os transportes, para o espaço público, mas desenganem-se aqueles que acham que as coisas vão mudar rapidamente por si só, essa mudança só vai acontecer com o empenho de todos, com a nossa participação. Todos somos responsáveis pelo destino das nossas terras, e todos temos a obrigação de participar na sua evolução, contribuindo para um melhor alinhamento entre os cidadãos e o modelo de governança em curso.
Mais importante do que tornar as cidades mais inteligentes, será porventura mais impactante torná-las cidades Sábias, inclusivas, desejadas e concebidas de e para os seus cidadãos.
IVO MAIO