Num instante é abril.
Já chegou a primavera, a Páscoa está aí, o dia da liberdade espreita e tu não estás, Mãe. Quis o destino que morresses em abril. Vá-se lá entender as razões deste destino. Aliás, devia ser proibido as mães morrerem em qualquer mês, de qualquer ano. Porque quem tinha o amor pela mãe, como eu tinha por ti, sabe, sente que seja em que idade for, a falta é imensa, a dor é incomensurável e o vazio é eterno. Não, não sei porque morrem as mães e os pais, não sei. Já sou adulta, já o devia saber, mas não sei.
– È a vida- dizem alguns
– Tens de ter paciência – dizem outros.
Pois claro, sigo a minha vida e tenho paciência e no entanto, de que me adianta? Resta-me o que a todos resta, a saudade.
E na saudade cabem muitas memórias. Se estamos na Páscoa, lembro – me de imediato de ainda, ser pequena e estar contigo na varanda. Sentadas confortavelmente a ver passar bastante gente que empurrava carrinhos de mão, repletos de apetecíveis farnéis. A rapaziada levava um rádio com a música nas alturas, aventurando-se pelo que sobrava das antigas carvalheiras, para a segunda feira de Páscoa. Assim, passavam um agradável piquenique do Anjo.
– Outros tempos – digo eu.
Quem diria que em 2021 seria proibido fazer isso.
Vou ao album e encontro esta fotografia cujo autor desconheço e lá estás tu, entre outras jovens senhoras. Consigo identificar algumas jovens. Tiveste o teu percurso de vida, foste jovem também.
São as lembranças em papel, do pouco que me resta. Toco no teu rosto, observo tudo ao teu redor, vejo as árvores e vejo aquele menino pela primeira vez. Sim, pela primeira vez. De todas as outras vezes, nestes seis anos em que não estás, olhei só para o teu rosto. O tempo passou e ensinou-me (à força) a viver sem ti, e reparo noutros pormenores que nunca tinha prestado qualquer atenção. É a vida a obrigar-me a viver.
De São Simão da Junqueira, de gema, com uma voz inquestionável para o fado, foi a enorme paixão que te fez viajar pelo mundo, Macau, Angola, Índia e Argivai onde descansas junto do amor da tua vida. Casaste por amor e por dias, que não fizeram cinquenta anos de casados. Mas o destino mais uma vez, trocou as voltas.
Deixaste uma enorme família com ramificações em diversas artes e ofícios. Não foste fadista, mas a vida recompensou – te em dobro.
Gostaria de te dizer que a vida continua, em Argivai, apesar desta pandemia que grassa no mundo. Na freguesia está a nascer um parque natural com imensas árvores. Se cá estivesses iríamos lá dar uns belos passeios.
Argivai, onde repousas, está a crescer e o céu continua daquele azul safira que víamos, juntas, da varanda.
Onde quer que estejas, sabes que esta é mais uma Páscoa sem ti, é mais um abril sem ti, mas como já estão fartos de me dizer: – É a vida! Tenho de ter paciência.