Nasce na Póvoa projeto para criar Museu de Arte Contemporânea

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Natural de Guimarães, mas com residência e atividade na Póvoa de Varzim há várias décadas, Tomás Carneiro revela ao público o seu projeto cultural. Apaixonado desde criança pelo colecionismo, os livros, a pintura e as artes plásticas foram surgindo na sua vida como um “fascínio”. Em breve a cidade terá um novo espaço de encontro com as artes. O sonho deste poveiro passa pela criação de um Museu Internacional de Arte Contemporânea.

O que é o MIAC Póvoa?

As quatro letras significam Museu Internacional de Arte Contemporânea. O projeto das artes plásticas foi criado, pensado e registado antes da pandemia. Entretanto, chegou a covid-19 e com ela as restrições, e por isso a nossa limitação foi enorme, mas ainda começamos com a exposição de Valter Hugo Mãe, integrada no programa das Correntes d’ Escritas do ano passado.

A seguir veio a mostra da pintora Leonor de Sousa, autodidata e completamente diferente. Depois o artista Albuquerque Mendes, mais conhecido e com uma carreira que vai fazer 50 anos, e que nos brindou com a mostra “O Homem que vê aviões debaixo da terra”. Fizemos estas três exposições.

O projeto era para começar com uma exposição anual, mas como não foi possível porque não temos espaço encontramos outras soluções. O Museu só começará a ser possível quando tivermos o espaço que espero que haja durante 2023, para podermos fazer uma exposição anual.

O projeto conta com que apoios?

O projeto foi na altura apresentado à Câmara ao presidente Engenheiro Aires Pereira e ao Dr. Luís Diamantino, vice-presidente e vereador da Cultura. Eles gostaram muito do projeto e prometeram apoio, porque é uma mais valia para a Póvoa. Já temos alguns patrocinadores e acho que de ano para ano e de exposição para exposição, vamos tendo mais patrocinadores. Isto é importante para o tal projeto que nós queremos que daqui a uns anos exista. Porque os patrocinadores ao entrarem neste projeto, um bocadinho a exemplo do que é feito em Serralves, com os amigos de Serralves ou as empresas amigas de Serralves, participam ativamente neste projeto.

Como irá garantir obras para um futuro Museu Contemporâneo?

Em cada exposição é possível conseguir junto do artista que ele deixe ficar um quadro.

E há muitos que podem ir para o Museu de Arte Contemporânea. Se há vários pintores e convém ter esses artistas para ter uma escala, para abranger tudo, não só os artistas de agora, mas também os de futuro. Para isso é preciso também ganharmos músculo financeiro e este ano vamos comprar, a título de exemplo, um quadro de Resende. Porém, vai depender do que vier dos patrocínios.

O projeto passa por daqui a uns anos, a Póvoa de Varzim ser um centro das artes plásticas?

Sim. O que eu quero é que daqui a uns anos concretizemos esse objetivo. Ter um museu ativo e não um museu parado. Queremos ter pessoas a pintar nesse espaço, onde possa haver novos artistas a pintar, onde podemos trazer artistas de fora a fazer uma ou duas semanas de pintura.

Considera que já há uma visão dos agentes económicos, que através da cultura e das artes plásticas também é um modelo de negócio e que ajuda ao desenvolvimento local?

Sim, mas é sempre preciso atrair novos públicos. Por exemplo, no caso da última exposição do Albuquerque Mendes, que foi muito vista no Garrett. Veio muita gente de fora ver a exposição. O povo tem que viver as exposições, têm que ver se gostam, têm que criticar, mas têm que viver. Isto é bom para a Póvoa, para a economia, porque se vierem muitas famílias, há necessidade de jantarem, por vezes pernoitarem na cidade, como também conhecerem a cidade.

No próximo Correntes d’ Escritas, em fevereiro, vamos contar novamente com a participação do MIAC?

Vamos ter. As Correntes d’ Escritas do próximo ano começam com uma exposição. Não vou dizer o título, nem o autor, mas vai ser uma exposição de livros, com muitos livros de artistas, poetas, escritores. É uma coisa de arte. Acho que também nas Correntes d´Escrita, vamos ter uma exposição por ano.

O projeto MIAC passa por trazer artistas de referência à Póvoa de Varzim?

Sim, em 2023 vamos ter uma grande exposição na Póvoa. Não estou a falar da exposição anual, mas de uma outra exposição muito grande. Para já não posso adiantar o nome. Na altura foi proposto para Cascais, Oeiras e a uma série de câmaras se queriam fazer essa exposição e consegui que a mesma venha para a Póvoa. É muita responsabilidade e vai dar muito nome à Póvoa. Garanto que é de um grande nome português ligado à arte.

Brevemente vai abrir na Póvoa um espaço de artes. Será um local para expor o seu espólio particular?

Durante muitos anos sempre gostei de colecionar artes. Não tenho só artes plásticas. E se me perguntam tens cultura? Tenho. Que dizer sobre o figurado de Barcelos? Tenho e muitas outras coisas, como livros, mas tudo ligado à arte. E tenho isto tudo porque guardo, e chegou a um ponto em que disse que já nem sabia o que tinha. Há coisas que eu comprei há 10, 15 ou 20 anos e que merece ser exposto. E era giro ter as coisas expostas. Perceber como surgiu este plano, este projeto do MIAC, em que eu tenho que receber os artistas, onde tem que haver negociações e uma série de coisas, que as pessoas nem imaginam o que é preciso fazer. Portanto, este espaço também é um bocadinho para este tipo de trabalho, não é só para ter reuniões.  Futuramente pode ser também um espaço bonito para termos aqui algumas conversas, tertúlias de poesia ou falar de arte, convidar algumas pessoas. Acho que é uma coisa interessante e pelo menos ponho a minhas coisas expostas. É o que eu quero, o que mais desejo em vida é que essa obra seja feita.

Para quem não conhece Tomás Carneiro, ligado às artes e à cultura, como é que surgiu esta paixão?

Surgiu de forma incrível. Não surgiu logo pela arte. Era muito novo e comecei a colecionar mais que toda a gente. Quando? Quando andamos na primária. Acho que toda a gente percebe como é que se colecionava os selos, aqueles selos dos correios estragados, nem sequer havia aquela coisa de guardarmos os selos. Comecei por aí, era miúdo e comecei a colecionar. Na altura vivia em Guimarães com os meus pais. O senhor de cima onde morava, era um grande filatelista. Como gostava de selos e todos os dias vinha da escola e depois de fazer os trabalhos de casa, ia para o andar de cima ter com o senhor porque era um casal já com uma certa idade e não tinham filhos. Eram os dois sozinhos e eu fazia também companhia ao senhor e ele gostava de mim e eu ia para lá a vê-lo, a catalogar os seus selos, a pôr aquilo tudo nos catálogos, tudo muito direitinho, com uma precisão para não estragar. Aquilo começou a apaixonar-me. Dava-me os selos estragados. Tudo isto foi passando anos, anos e anos. Mais tarde, fomos viver para o outro lado da cidade e eu não deixei de todos os dias ir lá, mesmo não vivendo ali.

Para espanto meu, o senhor quando faleceu, deixou-me em testamento toda a sua filatelia e centenas de álbuns. Comecei a lidar com muitos catálogos de decoração, de exposições, de filatelia, a apaixonar-me pelos catálogos, mexer no livro, cheiro do livro, e tudo o que era livros começou a fascinar-me. Fui ver exposições ainda muito miúdo. Ia com meus pais aos museus e não percebia, mas já trazia o catálogo. Para mim era uma coisa incrível. E foi assim que começou. Quando era mais novo, não tinha dinheiro para comprar roupa, mas comprava sempre o catálogo. Portanto, é por isso que eu tenho uma biblioteca de milhares de catálogos fabulosos. Com os quadros, comecei a comprar um quadrinho ali, comecei a comprar alguma coisinha acolá. Comecei a conhecer os artistas e a ter a possibilidade de ter obras a preços de amigo e não de galeria, e a comprar quadros a preços muito simbólicos diretamente aos artistas.

Entrevista completa para ler na edição papel de 21 de dezembro.