No tempo dos nossos avós

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Nesta época surreal em que vivemos, é recorrente lembrarmo-nos de outros tempos e a saudade, palavra vencedora, bate à porta.

Dou por mim, muitas vezes, a pensarem liberdade de movimentos e em rostos,sem estas máscaras.

Curiosamente,lembro frequentemente o tempo dos meus avós. Outras significativas preocupações, mas o que pensariam eles se voltassem, hoje, à terra?

Apesar de a História ser um ciclo que se repete, nunca estamos preparados para que nos aconteça,a nós. E afinal, não somos mais do que ninguém, de outras épocas, de outros tempos. Navegamos, todos, no mesmo barco.

As lembranças fundem-se. Ao regressarem em catadupa,são uma forma de o cérebro se manter coerente, firme e positivo.

Assim e a propósito de lembranças, recordo aqui a minha avó paterna. Já passava dos seus oitenta anos e ainda cavava a terra com o vigor característico de mulheres de garra. Eu ia, por diversas vezes, à bem conhecida casa dela*, junto à Capela da Nossa Senhora do Bom Sucesso. Brincava no quintal e depois,à hora do lanche, não faltava uma cevada quente,acompanhada pelas deliciosas cavacas. Sentada no sofá da sala, permanecia junto à minha avó Elisa, ouvi-a atentamente, enquanto olhava para a parede,onde aquela espécie de tapeçaria, alusiva a Deus, com cores garridas me ofuscava, distraindo-me. Ainda a guardo.

Do avô paterno não me lembro. O facto de ser a décima filha faz com que estas falhas aconteçam. Quando nasci, já estaria destinado que não ia ter o mesmo tempo de convivência que os meus irmãos tiveram com os nossos.

Do lado materno, conheci a minha avó Rosa,e uma das fotos mais carinhosas que tenho guardadas é precisamente uma em que, eu pequenita,estou ao colo dela,no quintal dos meus pais. Lembro-me pouco desta minha avó, mas,às vezes, por estranho que possa parecer, sinto o cheiro dela.São lembranças,lembranças boas, olfativas e visuais. São lembranças.

É a saudade, a revelar-se nas suas mais diversas formas.

Enquanto me lembrar dos meus avós, é sinal de que, ainda, cá estou. Assim seja!

Sofia Teixeira

*A casa que foi dos meus avós paternos,surge no livro de Rocha Peixoto in “A casa Portuguesa” Etnografia Portuguesa (Obra Etnográfica Completa). Publicações Dom Quixote.