Bisneto de Eça de Queiroz muito crítico com possível transladação do escritor para o panteão nacional

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A Assembleia da República aprovou recentemente uma resolução para conceder honras de Panteão Nacional ao escritor e diplomata português Eça de Queiroz, nascido na Póvoa de Varzim em 1845. Será agora constituído um grupo de trabalho com a incumbência de determinar a data a definir e orientar o programa de transladação, em articulação com as demais entidades públicas envolvidas, bem como um representante da Fundação Eça de Queiroz.

Uma decisão que merece algumas críticas por parte de António Eça de Queiroz, bisneto de Eça. António tem 68 anos, nasceu em Vila Nova de Gaia, foi jornalista do Expresso entre 1989 e 2007, e vive no Porto desde 1987.

“Sobre a pretensão política querer ‘honrar’ o escritor trasladando-lhe os ossos para a horrível Santa Engrácia, tudo deve ser lido ao contrário: os políticos de quem partiu a ideia, e os seus confrades da Assembleia da República, é que adorariam ser honrados pela cerimónia previsível, exibindo o portentoso feito! Algo que não conseguiram antes porque as netas ainda vivas do escritor e a presidente da Fundação Eça de Queiroz a isso se opuseram – e bem”, começa por dizer ao MAIS/Semanário.

Se não veja-se: “Eça escreveu sobre Lisboa descrevendo a capital portuguesa como uma péssima cópia de Paris (em tradução trapalhona), com Acácios pançudos e vazios, Abranhos untuosos, Pachecos idiotas, Dâmasos snobíssimos e toda uma côrte ridícula e oportunista. A que propósito iria ele sentir-se “honrado” por ser erguido como um troféu pelas reencarnações dos seus personagens mais pategos, ignorantes e estúpidos?”, questiona.

“Se precisam tanto de honrar o autor que esmagou os seus “antepassados” profissionais, os políticos de hoje fariam uma obra de real valor ao colocar a magnífica escultura original de Teixeira Lopes de Eça e a “Verdade”, que se encontra agora num vaguíssimo e pouco visitado “Museu da Cidade”, no dito Panteão. Isso seria visitado! Agora os ossos? Estará algum político à espera da ressurreição prevista para o fim dos tempos? Tudo isto é folclore e Eça está muito bem onde está: entre os seus, em Santa Cruz do Douro”.

Por fim, acrescenta o bisneto: “Uma trasladação seja de quem for “não é algo que a política possa decidir. Pode propor e aprovar, claro, mas tem de ouvir os descendentes. Ora, acontece que os descendentes mais próximos de Eça ainda vivos são 22 – sendo o meu irmão José Maria o decano do grupo dos bisnetos”.

Nascido na Póvoa e batizado poucos dias depois em Vila do Conde

O local de nascimento de Eça de Queiroz tem sido alvo de dúvidas ao longo do tempo, sobretudo se aconteceu realmente na Póvoa. O bisneto garante que o escritor nasceu na Póvoa e foi batizado em Vila do Conde.

“Segundo a mãe de Eça, que é certamente a melhor testemunha dos acontecimentos, o futuro escritor nasceu de facto na Póvoa de Varzim a 25 de novembro de 1845, sendo depois batizado a 1 de dezembro na Igreja Matriz de Vila do Conde. O seu pai, o juiz José Maria de Almeida Teixeira de Queiroz, declararia então ser a criança um filho de mãe incógnita”, conta, continuando:

“Segundo o pai do escritor, terá sido o seu próprio progenitor a aconselhá-lo a tal forma de registo: na verdade, o próprio pai de Eça, nascido no Rio de Janeiro (1819), também tinha sido registado como filho de mãe incógnita – tal como todos os seus irmãos. A razão é simples: como juiz de fora na região de Viseu, Joaquim José de Queiroz teve dois filhos da sua empregada e futura mulher, Teodora Almeida. Durante a ocupação napoleónica, o juiz rumou ao Brasil onde acabaria por ser nomeado Desembargador da Bahia, mas, antes de ir, disse a Teodora que levaria os filhos com ele, convidando-a a acompanhá-lo, o que ela obviamente fez”.

Mais tarde, de novo em Portugal e nomeado Par do Reino, o juiz Joaquim José de Queiroz e Almeida casou com Teodora e ambos perfilharam os vários filhos.

A explicação que o pai de Eça dá sobre o registo do seu filho José Maria é a de que seu pai o aconselhara a tal “para bem do futuro da criança”, pois se ele fosse registado como filho de Carolina Augusta Pereira d’Eça muito dificilmente o futuro escritor deixaria de ser considerado bastardo “de jure”.

De facto, cinco anos mais tarde, Carolina Augusta casaria com o juiz José Maria – de quem teve mais três filhos -, e embora o escritor já assinasse com os dois nomes, Eça precedendo o Queiroz, só quando o então já famoso escritor quis casar com Emília de Castro, filha do 4º conde Resende, é que Carolina Augusta Pereira d’Eça assinou o documento onde declarava ser ele seu filho.

Eça, nos primeiros quatro anos de vida foi criado pela sua ama de sempre Ana Joaquina Leal de Barros, em Vila do Conde, passando também alguns tempos em casa do seu avô paterno, em Verdemilho, Aveiro; avô este de que o escritor acabaria por conhecer a atribulada  história de maçon e defensor acérrimo do Liberalismo (teve mesmo de fugir do país para não ser morto pelos Absolutistas) e que é retratado em “Os Maias” na personagem de Afonso da Maia.

À parte o seu nascimento na Póvoa, no local e data referido por sua mãe, “é desconhecida outra passagem por lá. embora isso não seja de todo impossível, pois Vila do Conde é, por assim dizer, um arredor da Póvoa de Varzim”.

Honras de Panteão Nacional aprovada no parlamento

A Assembleia da República aprovou a 14 de janeiro uma resolução do PS para conceder honras de Panteão Nacional ao escritor e diplomata português Eça de Queiroz, que nasceu na Póvoa de Varzim a 25 de novembro de 1845. Os deputados recordaram a dimensão de escritor, mas também de humanista e crítico social. No Parlamento, o Projeto de Resolução foi subscrito pelos deputados do Partido Socialista, José Luís Carneiro, Ana Catarina Mendes, Pedro Delgado Alves e Maria do Rosário Gamboa.

O projeto de resolução visa “conceder honras de Panteão Nacional aos restos mortais de José Maria Eça de Queiroz, em reconhecimento e homenagem pela obra literária ímpar e determinante na história da literatura portuguesa”.

Assim, será constituído um grupo de trabalho, “com a incumbência de determinar a data a definir e orientar o programa de transladação, em articulação com as demais entidades públicas envolvidas, bem como um representante da Fundação Eça de Queiroz”.

Deputados municipais poveiros aprovam moção de apoio à iniciativa

Recorde-se que na Assembleia Municipal da Póvoa de Varzim realizada no mês de dezembro foi aprovado pelos deputados municipais por unanimidade e aclamação uma moção apresentada pelo socialista poveiro Edgar Torrão para que os deputados da Assembleia Municipal da Póvoa de Varzim se juntassem ao Projeto de Resolução 800/XIV da Assembleia da República e que visa a “Concessão de Honras de Panteão Nacional a José Maria Eça de Queiroz”.

Eça de Queiroz, que morreu a 16 de agosto de 1900, foi sepultado em Cemitério dos Prazeres de Lisboa, mas mais tarde foi transladado para o cemitério de Santa Cruz do Douro em Baião. Agora, e em data ainda a designar, os restos mortais poderão ser transladados para o Panteão Nacional.