Estamos em emergência climática. Somos chamados a desobedecer de forma consciente, voluntária, pública, coletiva e pacífica, a este sistema que nos diz que não é possível mudar. Ir para além dos alarmismos, da hipocrisia, do vício do consumo ou da própria imaginação.
Esta é a primeira mensagem do Centro do Clima. Um apelo à liberdade e à desobediência. Inusitado. Talvez devêssemos fazer mais um aviso, só mais um, a explicar como temos de parar já (ontem, na realidade) com as emissões de gases com efeito de estufa, que estão a criar as alterações climáticas, as quais comprometem o nosso futuro. Falar de ondas de calor, de secas e cheias, incêndios e furacões. De concentrações de CO2 na atmosfera que já não ocorriam há milhões de anos. Mas as alterações climáticas são já autoevidentes. Não, não vamos falar disso. Estas são as “crónicas do além”. Além alarmismos.
E além blá-blá-blá (como lhe chamou a Greta Thunberg). Em 1992, quando as ‘coisas’ começavam a ficar ‘feias’, assinou-se a Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas. Desde aí as concentrações de CO2 aumentaram cerca de 66% e começaram as famosas reuniões anuais (COP’s) para nos lembrar que (quase) nada é feito. No ano passado o dinheiro público (sim, “público”) para os combustíveis fósseis (carvão, petróleo e gás, cuja queima é a principal causa das alterações climáticas) bateu o recorde de 1,3 biliões de euros, apenas contabilizando as principais economias. O dobro (sim, “dobro”) dos anos anteriores. Chega de hipocrisia.
A Câmara Municipal da Póvoa de Varzim decidiu desobedecer a esta tendência de ‘automutilação’ e criar um Centro do Clima, com vários parceiros e foco na ação. Ir contra a corrente do marasmo, libertar-se das políticas de “vou ali fazer mais um estudo e venho já” e fazer a diferença. Estar “no centro da mudança”, como ‘apregoa’ a assinatura do movimento “Póvoa em Transição”. Com este ‘pequeno’ esforço, o Município ganha a liberdade de experimentar novas políticas para o território, procurando potenciar os recursos energéticos renováveis, promover a agroecologia e criar maior resiliência.
O Centro do Clima foi criado a 17 de julho pela Câmara Municipal da Póvoa de Varzim, Junta de Freguesia de Rates e associação Biopolis (Universidade do Porto). Apadrinharam a iniciativa a Casa Comum da Humanidade e o Movimento de Transição.
Além consumo. Vivemos tempos enganadores, com a apologia da liberdade do indivíduo. Tantas vezes esta liberdade é sinónimo de estarmos reféns de um sistema que nos aprisiona no vício do consumo. Lembram-se daqueles anúncios de vendas de automóveis, cabelos ao vento e estradas ondulantes a atravessar paisagens deslumbrantes? Essa é a ‘liberdade’ que nos vendem, todos os dias, incessantemente. A ‘liberdade’ de trabalharmos horas sem fim para depois ‘torrar’ tudo num telemóvel de última geração ou numas férias do outro lado do mundo – e com isso duplicar a nossa ‘pegada de carbono’ anual em poucos dias.
Aqui há uns anos decidi que queria ser coerente e deixei de andar de avião. Desobedeci ao sistema. No início fica aquela sensação de estar a perder alguma coisa, sobretudo ao ver as fotos dos amigos nas redes sociais, consumidores incansáveis de experiências ‘radicais’. Mas, de repente, sobra dinheiro e tempo para experimentar outras coisas: fazer o Caminho de Santiago, ir de comboio ao Douro, apanhar fruta no quintal ou simplesmente andar de bicicleta pelas redondezas. Liberdade. De consciência e não só. E se estão preocupados com a economia, não estejam. Ela adapta-se, evolui. Vejam o crescimento recente da indústria portuguesa das bicicletas e mobilidade suave. Ou das energias renováveis.
Além do sonho. A primeira ação do Centro do Clima, logo no dia seguinte ao da sua criação, foi exibir o documentário “Alter Nativas – construindo futuros possíveis”. Exemplos de pessoas que decidiram desobedecer ao sistema e experimentar algo novo, seja criar uma moeda local ou escrever poesia nas paredes de casa. Deixaram de apenas sonhar e começaram a construir, hoje, um futuro melhor. Todas estas ações, somadas umas às outras, fazem a diferença. O Centro do Clima vem para as multiplicar. Caros sonhadores, estamos aqui para ajudar. A imaginação não é o limite, é o primeiro passo.
Opinião Pedro Macedo – ‘Crónicas do Além’