“Os camionistas também estão na linha da frente”

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Nuno Sousa, de Vila do Conde, 43 anos, é camionista desde 2010. Em tempos de pandemia provocada pela Covid-19, este trabalho traz mais riscos para a saúde. Viaja por toda a Europa sem que haja praticamente qualquer controlo nas fronteiras e o material de proteção que há é comprado pelo próprio. “Nem posso dar um beijo às minhas filhas asmáticas”, desabafa.

“O camião é a minha casa ambulante”. Nesse aspeto, Nuno cumpre como ninguém as recomendações de ficar em casa. Camionista, trabalha para a PrimaFrio, empresa espanhola de transporte de frescos. Num mês, faz em média três viagens e passa cerca de 25 dias fora de casa. As suas rotas incluem a maioria dos países europeus, mas sobretudo Espanha, Inglaterra, Alemanha, Holanda e Bélgica.

Mas agora é tudo diferente. Mesmo as bombas de combustível e estações de serviço, que costumam ser para estes homens uma espécie de porto de abrigo, estão muitas delas fechadas. É ali que os motoristas, não raras vezes, fazem as suas necessidades e se lavam. Ainda muito recentemente, Nuno fez uma rota Portugal-Inglaterra-França e passou uma semana sem poder tomar banho. Também para enganar a fome quando os mantimentos se esgotam, a solução é ir comer fora. Mas restaurantes “nem vê-los”. Sãos os pequenos obstáculos do dia a dia de quem faz da estrada a sua vizinhança. Uma estrada que, nesta altura, parece bem mais espaçosa que o normal. “As faixas são só nossas, praticamente”, admite.

Nas fronteiras europeias, falta controlo sanitário à Covid-19. “Passamos bem, nada nos impede. Só abrandamos quase por rotina porque de resto aquilo é ‘via verde’ para nós”, conta, lembrando-se de repente de uma exceção. Há três semanas esteve na Polónia e, aí sim, houve vistoria rigorosa, mesmo às viaturas ligeiras. “Mediram-nos a temperatura e verificaram a nossa identidade, o que não é normal”. Ao entrar e sair de Portugal, o caso muda radicalmente de figura: “Nada”, atira.
Por esses motivos, “andamos sempre de coração nas mãos”, desabafa. “Tentamos defender-nos como podemos. Usamos máscaras, luvas e álcool em gel, produtos que somos nós próprios a ter de comprar”.

Nunca foi testado ao novo coronavírus nem sabe de nenhum colega que o tenha feito, pelo menos por imposição das autoridades de saúde. “Nós viajamos por toda a parte e não sabemos como estamos. Eu tenho duas filhas asmáticas e, quando volto a casa, tenho medo por elas. Nem um beijinho lhes posso dar”.

Nuno aqui há uns dias teve gripe. Aquela “gripezinha normal típica desta altura”. Ligou para a Saúde24 e disseram-lhe que não valia a pena fazer teste porque o sintoma não era “nada de especial”, citou. “Da mesma forma que há testes às forças de segurança e aos profissionais de saúde, devia haver aos motoristas”, lamenta. “Nós também andamos na linha da frente. Se a gente pára, isto fica complicado”. Ficar de quarentena 14 dias cada vez que regressa Portugal seria impraticável para as empresas do setor, mas seria bom ter “algum apoio médico”, sugere, com sintomas ou sem.

Também há um pequeno lado positivo nesta história toda: pelo menos, Nuno não teve de ir a Itália nos últimos tempos.