Em Novembro de 2019 fiz parte de uma pequena equipa do IGC – Ius Gentium Conimbrigae (Centro de Direitos Humanos) da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra que participou no exercício militar Orion 2019 do Exército Português. A inclusão de civis, pela primeira vez da história do Exército Português, tinha como objectivo incluir cenários realistas civis num quadro de operações de manutenção de paz. Este exercício militar com 1.300 militares, envolveu forças de Espanha, Estados Unidos da América, Lituânia e Roménia, bem como observadores vindos do Brasil, Espanha, França e Grécia. Vem a propósito esta experiência para um dos incidentes complexos que os nossos militares foram confrontados: um possível incidente radiológico com civis e que necessitou da intervenção do Batalhão de Defesa Biológica, Química, Radiológica (BQR). Nunca, nem em sonhos, alguma vez imaginei que poderíamos ter em 2020 o Exército Português nas nossas aldeias e cidades e a BQR a intervir num lar de idosos em Vila Real devido ao coronavírus SARS-COV-2, o qual provoca a famigerada doença Covid-19, e que a Humanidade estaria perante um desafio de enorme complexidade e de consequências imprevisíveis.
Os nossos empresários, na sua maioria de empresas familiares, estão perante um desafio que afecta as suas empresas (famílias) e que coloca em risco a continuidade das suas operações, podendo ser levados a tomar decisões difíceis, desde recorrer ao lay-off dos seus colaboradores até a decisões de encerramento das suas atividades empresariais. Nesta fase, a maioria dos empresários com menos ou mais sofisticação, já avançou para um plano de ação para responder às medidas de combate da pandemia, sobretudo devido ao isolamento social de milhões de pessoas em suas casas, para assegurar a continuidade das operações. Assim, já foram avaliadas as cadeias de abastecimento e, conjuntamente com os seus parceiros estratégicos, o sourcing das matérias-primas, já foram reforçadas as linhas de tesouraria disponíveis e reorganizados os seus recursos humanos, de forma a conseguir manter as operações em economia de emergência, diminuindo para um nível aceitável o risco de contágio. A jusante, as empresas avaliaram junto dos principais clientes o impacto desta paralisação europeia e os efeitos potenciais da mesma na sua carteira de encomendas. Algumas das empresas aceleraram os seus programas de digitalização dos seus canais de vendas e reforçaram a logística para conseguirem acudir ao fluxo de encomendas online, o qual decorre da impossibilidade das pessoas se deslocarem a lojas físicas. Haverá, porém, muitos empresários que já optaram pelo encerramento temporário das suas empresas, recorrendo às soluções governativas de lay off temporário. Os empresários estão entretanto a actualizar os seus orçamentos e a submeter as novas previsões de receitas e de cash flows a testes de resistência e a análise de sensibilidade, simulando cenários mais ou menos pessimistas.
Liderar implica tomar decisões na incerteza. E quanto maior é a incerteza mais emergem os líderes que procuram atuar no presente e construir o futuro. Apesar da ansiedade e da pressão, os líderes que conseguirem emocionalmente transmitir serenidade nestes momentos estarão mais propensos a serem seguidos pelas suas equipas. Os gestores e empresários procuram trabalhar com estimativas prospectivas que possibilitem modelizar os seus planos de negócios, orçamentos, investimento e necessidades de tesouraria.
No boletim económico de Março de 2020, o Banco de Portugal sinalizou que as perspectivas para a economia portuguesa se deterioraram abruptamente e alerta para o choque económico adverso da pandemia Covid-19. Admite o Banco de Portugal que no segundo semestre de 2020 haverá uma normalização da economia mas alerta que impacto da crise pandémica tem uma natureza muito persistente, associada à destruição de capacidade produtiva instalada. Esta destruição da capacidade produtiva instalada é de uma forma realista o encerramento de muitas empresas e a perda de milhares de postos de trabalho. É por isso que os governos de muitos países, numa iniciativa que relembra o gigantesco esforço de reconstrução da Europa no período pós II Guerra Mundial, avançaram com medidas de injecção de liquidez na economia sem precedentes. Assim, apenas num curto espaço de duas semanas, já foi possível perceber medidas de alívios fiscais para o período da pandemia (Portugal e a maioria dos países da UE), suspensão (Portugal e a maioria dos países da UE) ou perdão de dívidas (EUA), empréstimos garantidos pelo Estado sem juros ou até mesmo a fundo perdido, rendimentos mínimos garantidos (EUA).
Este frenesim de medidas fiscais e financeiras procura socorrer os países e amortecer o impacto da entrada súbita e repentina numa recessão económica e financeira que pode atirar milhões de pessoas para abaixo do limiar de pobreza. A pandemia porventura terá um efeito positivo imediato para algumas empresas de biotecnologia, farmacêuticas, análises clínicas ou até mesmo de prestação de cuidados de saúde, de sistemas de informação e de tratamento de dados. No entanto, há sectores inteiros que viram de repente todo o seu status quo desafiado: transporte de passageiros (terrestre, marítimo ou aéreo), companhias de transporte marítimo, o sector automóvel e de seus produtos complementares, energia, banca e seguros, imobiliário, hotelaria e, conexamente, os prestadores de serviços.
É de notar que as empresas familiares, pela confluência de três planos distintos mas que se sobrepõem (o plano do património, da empresa e da família), possuem características únicas de resiliência e de longevidade. De forma realista, os nossos empresários devem gerir com cautela os recursos que possuem e ajustarem as suas empresas para uma maior exposição aos riscos de mercado (ou falta dele), riscos de crédito (os clientes deixarem de pagar) e a riscos significativos de (falta de) liquidez. Isso significa ajustar as suas equipas, prepara-las para estes tempos de maior dificuldade, ajustar as expectativas de dividendos, fazer acompanhar um plano de redução de custos com um plano de investimentos específicos em áreas que tragam rentabilidade à empresa de forma rápida e estabelecer modelos de cooperação efectivos com o ecossistema empresarial que bem conhecem. Como dizia Agostinho da Silva “… o que há hoje que fazer no mundo não é repetir receitas de dirigir o igual: é inventar maneiras de tornar frutuoso o diferente.”.
Recentemente no Financial Times (livre acesso) o reputado historiador e filósofo israelita, Yuval Noah Harari escreveu um longo artigo sobre o mundo depois da pandemia. No final do mesmo, conclui que a Humanidade necessita de fazer uma escolha: a desunião (proteccionismo, ausência de colaboração) ou a solidariedade global. Sabendo que o Homo Sapiens, soberbamente descrito por este autor, sobreviveu precisamente pelas suas enormes capacidades de cooperação, antecipo que a resposta do autor seja pela solidariedade global. A mesma que se sente nos nossos profissionais de saúde que trabalham incansavelmente para vencer este vírus, nos nossos cientistas, nas forças de segurança, militares e proteção civil e nos empresários que se desdobram em procurar por as suas linhas de produção ao serviço das necessidades imediatas.